quinta-feira, maio 26, 2011

A imoralidade das alterações de spreads

Todos nós sabemos que os bancos portugueses andaram a facilitar. Facilitaram na altura do crédito fácil, seduzindo as pessoas com spreads miraculosamente baixos, com financiamentos a 100%, etc. Facilitaram também, por exemplo, com a dívida pública, mas isso não releva aqui.

O que interessa é que agora que os bancos perceberam as asneiras, ou melhor os custos das asneiras que fizeram, pretendem utilizar quaisquer desculpas para alterar unilateralmente os spreads de empréstimos em curso, recorrendo às letras miudinhas dos contratos que todos os devedores assinaram.

Bem sabemos que em Portugal há uma longa tradição de proteger os poderosos obrigando os fracos a pagar. Neste caso isso não devia suceder.

Desde logo porque no essencial as pessoas contratam para uma determinada prestação, correndo os riscos das variações da taxa de juro de referência. Portanto, no momento da negociação o spread é decisivo para os devedores. Os bancos, contudo, usam (usavam, quando tinham dinheiro) os spreads para vender outros produtos onde vão buscar outro tipo de rentabilidades: os cartões de crédito, contas de títulos, etc, etc.

A grande diferença é que os bancos dispõe de departamentos inteiros para calcular o "risco" (e a rentabilidade) dos clientes. Os spreads exagerados que possam ter oferecido, por razões comerciais ou outras, fazem parte do risco normal da actividade que desempenham.

Não é admissível que agora, só porque já não conseguem fazer os negócios fáceis a que se habituaram, venham alterar os spreads porque os clientes não cumprem com uma ou outra das obrigações acessórias a que se comprometeram. Se há incumprimento de uma dessas obrigações acessórias, é normal que os bancos venham exigir o seu cumprimento ou até negociar uma qualquer outra contrapartida "acessória".

Não é admissível que venham com esse pretexto corrigir o erro inicial que porventura tenham feito!

E muito menos é admissível que venham transferir o erro próprio para "cima" dos devedores.

O pior, porém, é que provavelmente é um tiro nos próprios pés. Na verdade, porventura, muito do crédito concedido não o devia ter sido, ou pelo menos não nas condições em que foi. Porém, aumentar o spread a meio do jogo é aumentar o risco de incumprimento, que seguramente é muito pior para o banco do que quaisquer falhas em obrigações acessórias do contrato. E, quando esses aumentos de spread se vierem a traduzir em aumentos do incumprimento (ou seja, do crédito mal parado), depois virão queixar-se e pedir apoios públicos para assegurar a sobrevivência e a rentabilidade.

É por tudo isto que as Autoridades, Banco de Portugal à cabeça, deviam fiscalizar apertadamente as alterações de spread. Pelo menos as que não correspondam a renegociações dos empréstimos, em montantes e em prazos. E se o BdP não fizer o seu trabalho, o Governo e o Parlamento devem intervir.

Em defesa dos fracos, para garantir justiça. Que é a principal razão da existência do Estado.

Sem comentários:

Enviar um comentário