quarta-feira, abril 28, 2010

Postal de Tóquio (6)


Ainda não estou habituada a ser chefe.
Aparecem-me aqui a falar de férias ou a dizerem que têm consultas e a minha primeira reacção é pensar "e que diabo tenho eu com isso?".
Acho que sou uma boa chefe porque, tirando a parte das queixinhas de colegas que de todo não me interessa resolver (sou chefe, não a professora de vigilância ao recreio), autorizo tudo.
"A minha mulher está prestes a parir e se calhar nem vou ter tempo de avisar que tenho de ir para o hospital". Sim homem, eu percebo que nessas alturas o simples carregar do botão com o meu nome no telefone é tarefa que exige demasiada coordenação motora e concentração. Vai lá que quando dermos pela tua falta havemos de perceber o que aconteceu.

"O meu pai está internado e eu tenho de ir para o outro lado do mundo". Vai lá e faz boa viagem e pega lá duas beijocas cheias de energia positiva.

"Estou com gripe e tenho uma consulta". Sai imediatamente do meu gabinete antes que me pegues isso que se há coisa que me assusta é ficar doente no Japão!

Resumindo, sou uma chefe impecável e como ninguém até agora abusou, continuo a ser uma porreira. Desde logo porque não me dou bem com este papel de chefe... menos ainda com o papel de chefe DE JAPONESES!

Ontem levei uma das minhas funcionárias, japonesa, a uma reunião aqui ao lado.
Foram 10 minutos de percurso a pé para lá e para cá e eu sempre com a sensação de que estava nos apanhados!
1) Logo à saída do nosso edifício ofereceu-se para pôr as pastas que eu levava na mão dentro da sua mochila, carregando ela com as ditas às costas. Esta coisa totalmente estapafúrdia já tinha acontecido no mês passado mas só ontem percebi que é mesmo coisa de serviçal. Eu sou chefe, ela é ralé e faz questão de o mostrar a cada passo. Literalmente!!!

2) A criatura insistia em andar meio passo atrás de mim. Primeiro achei que estava a caminhar demasiado depressa para as suas pequeninas pernas japonesas. Mas de cada vez que abrandava o passo, ela também o abrandava... lá está, eu sou chefe!

3) Ao aproximarmo-nos de uma porta, punha as pernocas a trabalhar e aí ia ela em grande sprint para me abrir a dita cuja. Era uma canseira...

A páginas tantas, farta de tanta vénia por causa de uma passagem estreita disse-lhe que passasse à frente.
"Não, não, não, a dôtora é dôtora!" e vai mais uma vénia....
Oh mulher, somos iguais! Passe lá e deixe-se de vénias que isso há-de fazer-lhe mal à coluna!
E aí foi ela a correr abrir a porta outra vez.

Se eu não fosse chefe dela, provavelmente seria mais uma das que me empurraria no metro sem dó nem piedade. Porque afinal de contas os japoneses tratam muitíssimo bem... apenas quem no seu entender está acima deles.

Joana

4 comentários:

  1. E a Joana está, sem dúvida nenhuma!!!

    Não fora o peso das funções que desempenha, seria certamente o da humildade com que o faz.

    Parabéns e felicidades.

    E digo-o como colega...

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  2. é assim que se faz a diferença
    é essa caracteristica tao portuguesa que tb marca a nossa presença no mundo
    pensará a dita japonesa (e eu confirmo) que sorte ter como chefe esta Portuguesa
    um bj e parabéns joana
    francisco v ferreira

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  3. Aqui está um post bem cozinhado!

    Parabéns à Chef Joana!

    JAC

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  4. Divertido e bem apanhado, sim senhora.
    Mas não se esqueça que o seu Chefe também conta que lhe faça vénias, abra a porta e se passeie dois passos atraz, estilo "Princesa Consorte".
    Sem esquecer que o importante está na vénia: quanto mais importante o Chefe, mais acentuada e prolongada a vénia.
    Já agora, será que já conseguiu perceber o grau da vénia que a sua secretária lhe faz?Se não fôr o grau devido...é ela que se está a divertir com a sua ignorância.E a contar em casa e nos blogs dos amigos como estes portugueses ,que trouxeram a pólvora ao Japão, afinal....

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