quarta-feira, março 18, 2009

Penas

Impressionou-me muito a notícia da morte da criança de nove meses que foi esquecida pelo pai no banco de trás do carro. Parece que ele já foi constituído arguido, sendo-lhe imputável a possível autoria de um homicídio negligente, tratando-se provavelmente de uma negligência grosseira. E isso também me impressionou, porque não há dúvidas de que essa é uma verdade cientificamente irrecusável. Aquele pai violou um dever de cuidado que tinha perante o filho, ao qual o ligavam particulares deveres de diligência e de protecção, e afastou-se claramente do padrão de conduta que seria esperado de um pai medianamente cauteloso e diligente. Por esse facto, merece, sem dúvida, censura. Mais. Uma vez que a falta de cuidado que teve revelou um grau de indiferença e de desrespeito particularmente elevado pela vida do filho, essa negligência pode ser qualificada como grosseira, o que significa que o pai fica facilmente sujeito à moldura penal agravada prevista pelo art. 137º, nº 2 do Código Penal. E todavia, vistas e revistas as coisas, não obstante a sua correcção jurídica, esta conclusão diz pouco em termos de justiça. O Código Penal alemão contém uma disposição que prevê a não aplicação de pena ao agente quando as consequências do facto são tal forma onerosas para ele que ela se tornaria injustificada ou desnecessária (o condutor que se distrai momentaneamente e tem um despiste onde morre a família toda). O nosso Código Penal também prevê a dispensa de pena com base na sua desnecessidade, embora não refira expressamente tal fundamento. Ora, por razões técnicas que se prendem com o limite da moldura cuja aplicação está em causa, e que excede o que é previsto pela lei para a dispensa de pena, ela não pode ter lugar neste caso, pelo que acabará provavelmente por se recorrer a outros institutos como o da suspensão da pena (efectivamente aplicada). E o que é pena. Porque perante o drama daquele pai que, por um esquecimento ridículo – daqueles que não se consegue entender como o destino os permite – perdeu o filho, torna-se dificil defender a necessidade ou a utilidade da sanção criminal. Os contornos do caso são de tal forma particulares e dolorosos que tornam muito complicada a tarefa do juiz, e da própria justiça, deixando mesmo perguntar-se se a lei está preparada e dispõe dos mecanismos mais correctos para o enquadramento de situações deste tipo.

1 comentário:

  1. este homem condenou-se para o que lhe resta de tempo de vida. auto infligiu-se uma perpétua!
    esperemos que o conforto dos mais chegados lhe seja suficiente para lhe adocicar o pesar e evitar a agonia!
    problema é que, por vezes, a justiça é cega... mas haverá bom senso, espero!

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