Matança do porco, José Mexia!? Os porcos ainda morrem? Ainda há porcos? Na minha infância havia. E vacas torinas que davam leite inteiro, com gordura amarela à tona, e coelhos e galinhas, e cães a sério, que não eram bichos de sofá, que não andavam ao colo em pequenos, não fosse dar-se o caso de ficarem estragados e não poderem mais guardar a terra à noite, e abelhas em cortiços, que às vezes lá fugiam, e atacavam os braços e as pernas mais desguarnecidas, que inchavam, e ficavam redondas, a justificar uma ida à farmácia, isso quando havia tempo, e o inchaço não se mantinha numa dimensão tolerável segundo o prognóstico crítico, e normalmente desprendido, dos familiares mais próximos (isso não é nada, menina!). Esses animais morriam. Morriam de forma cruel, aos olhos das crianças, que ninguém se dava ao trabalho de ocultar o que era da natureza, sem honras funerárias de maior, nem actos de contrição dos carcereiros. De vez em quando, lá se via um coelho morto pendurado numa árvore, que ficava sem pele aos puxões, ou de uma vez só, tanto fazia, ou eram dizimadas umas quantas galinhas, que aí ninguém se importava muito, que bicho mais estúpido nunca se viu, sempre presas na sua rotina diária de pica no chão ( já que Deus, se calhar felizmente, não dá a todos os seres vontade de olhar para o céu) ou apareciam uns tantos tordos esventrados pela pontaria dos caçadores. Havia morte, e a necessidade de olhar para ela. Também era um exagero, convenhamos. Mas agora, será que os porcos ainda morrem? Será que ainda se permite um acto tão incómodo, inestético e impossível de normalizar? Será que, sem nos darmos conta, o porco não foi convertido num código de barras com vidas de reserva como no game boy? Estou em crer que já não há porcos. O porco passou a ser uma realidade virtual. Ou melhor ainda. Um genpet da espécie suína.
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