"Regarde les hommes tomber", sugeria Audiard no seu belo filme dos anos 90.
Eu vejo-os, mas vejo também os que se erguem e a redenção toca-me mais do que a queda. Foi o que me veio ao pensamento com o anúncio de ontem. A realidade política em Portugal parece-me desfilar ao retardador. Anuncia-se agora um pedido de financiamento - recuso-me a chamar "ajuda" ao que é na verdade uma operação prestamista corriqueira – que já fazia parte da realidade matemática das contas públicas há pelo menos 8 meses.
Vamos passar as eleições e os meses que se seguirão a debater as incidências e as responsabilidades pela dívida. Como se o país e a sociedade fossem como uma família, onde todos os eventos são pessoais e exigissem prestações de contas e castigo. No entretanto, a impossibilidade de pagar a dívida é actual, já está presente, hoje. Será anunciada com drama daqui a alguns meses, abrindo mais um ciclo de debate virado para trás.
Encerrados esses dois actos, lentos e maçadores como uma peça de Ibsen, damo-nos então conta de que estamos sós – à partida. E que a única questão relevante é a da viabilidade do país, aparente desde o início do milénio e nunca discutida. A única que merece ser tratada pelo país, deixando as outras para os contabilistas que nos governam hoje e amanhã.
Cessação de pagamentos e desvalorização da moeda são inevitáveis nas circunstâncias de um país como Portugal. Na impossibilidade de obter uma redução de salários de 30 ou 40%, como já pregam – sem desatar a rir - os desvairados que estão à frente das cúpulas económicas europeia e mundial, a retoma da competitividade não passa sem esses dois actos fundadores do país novo que se vai erguer. São também inseparáveis. É impossível desvalorizar sem elidir o pagamento de uma parte do devido, sob pena de agigantamento do débito para proporções que seriam então ridículas, de tão irreais. E a operação tem de ser compensadora para o país.
Por outro lado, não é viável anunciar o calote e pretender ficar no euro, como se se tratasse de uma falta menor e como se os nossos sócios – a maior parte dos quais vão ter de registar o passivo correspondente - o admitissem. Será esse, então, o terceiro acto que, como o segundo, já se encontra entre nós como uma realidade de gestação certa. A libertação das amarras de uma moeda europeia crescentemente gerida, no seu valor interno e no externo, em função dos interesses nacionais totalmente conflituantes com os nossos. Uma verdadeira alforria! Vamos suspirar de alívio, como ontem.
Mas se é assim, o que nos impede de começar desde já o debate sobre o nosso futuro económico – e mesmo assim, com pelo menos 10 anos de atraso? Europa ou Mundo? Esta é questão do dia de qualquer português que possua algum discernimento e preocupações elevadas (isto é, que não esteja preso pelo seu próprio interesse material na conservação do estado de coisas).
O dilema tem, para mim, o mesmo valor do que se colocou a todos os homens europeus nas décadas que se seguiram à segunda guerra mundial: marxista ou anti-marxista? Sinceramente, é o único debate que me interessa. Não tenho paciência para o torpor nacional e, além disso, como referi a abrir, interessa-me mais olhar para os que se erguem do que para os que caem.
Como se trata de assunto seriíssimo, comecemos com alguns números que quase dispensam palavras e comentários, tão óbvio é o caminho que nos apontam. Três perguntas para começarmos a abrir novas conclusões e novos rumos.
1. Quem produz e produzirá?
E a tendência acelera desde o início da crise…
2. Quem cresce e crescerá?
3. Quem deve e deverá?
Não é óbvio, gente?
Bartolomeu
(Mapa 2 Source: Goldman Sachs, BRICs Monthly, May 2010
ResponderEliminarG3: USA, Europe, Japan) (Mapa 3 Source: IMF, WEO Oct 2010) (referencio aqui as fontes pois não consegui inseri-las no blogue apesar de constarem do texto do Bartolomeu)
Penso que o Bartolomeu põe o dedo na ferida que interessa: que podemos esperar deste situacionismo político-monetário senão mais dívida, mais recessão e mais desespero. É urgente equacionar todos os cenários, nomeadamente o da saída do euro. Claro que vai ser preciso mudar de vida e mudar de Estado, mas é fundamental redesenhar outro caminho. É uma ilusão pensar-se que os mercados nos vão, depois da dita ajuda, voltar a dar juros baixos. Olhe-se para a Grécia, onde já se torna evidente a necessidade do re-escalonamento da dívida, ou olhe-se para a Islândia, que reencontrou uma esperança ao recusar o garrote. Bravo, Bartolomeu. É de facto esse o debate que importa.
ResponderEliminarAmigo bartolomeu. Sair do Euro portanto! Eu até já encontrei uns escudos lá em casa.
ResponderEliminarBartolomeu diz (em grande parte) o mesmo que eu defendo mas di-lo, evidentemente, com outra sabedoria e erudição.
ResponderEliminarComo já tive oportunidade de escrever a vinda do FMI não resolve nada. Apenas, impede a queda imediata e diminui a dor. É uma medida profiláctica.
Portugal tem de sair da zona euro mas não o pode nem deve fazer sozinho. Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha fora da zona euro quanto antes!
Com a ajuda do FMI e fora da Zona Euro a nossa economia vai poder voltar a crescer e quem sabe desta vez reinventamos Portugal, lembramo-nos da nossa vocação atlântica, da riqueza do nosso Mar e dos mercados que nos são historica e linguiticamente naturais - o mercado dos Palop's.
É este o caminho a trilhar nos proximos anos. Na europa, fora da zona euro e em direcção ao atlântico.
A bem da Nação!!!
Francisco Vellozo Ferreira
Discordo.
ResponderEliminarSair do euro é repetir uma receita já conhecida e cujos resultados estão à vista: disfarça a dor do reajustamento através da desvalorização, simula crescimento que não é mais do que recuperação e, pior que tudo, permite que a elite política possa dizer que encontrou uma solução e, por isso, perpetuar-se no poder.
Assim não, meus caros, não é assim que vamos lá.
A única forma de mudarmos alguma coisa é sofrermos com a mudança. Se não, rapidamente nos alhearemos do que tudo isto signfica.
Bartolomeu, estou apaixonada por vc.!!!!!!!
ResponderEliminarParabéns pelo texto tão bem redigido. Enche de esperança o povo português.
Ação e mudança!!!!!! """""""o que nos impede de começar desde já o debate sobre o nosso futuro económico – e mesmo assim, com pelo menos 10 anos de atraso?""""" isso é muito tempo, para que vão esperar mais?????
Nos debatemos aqui no Brasil e tentamos de tudo para chegar a acalmar o coração em desespero do povo brasileiro. Moedas com vários nomes até contermos a situação deseperadora: cruzeiro, cruzado, cruzado novo até nos adapatarmos ao REAL. Claro que não comparo Brasil com Europa (não devo, pois sou brasileira consciente).
Porém, toda tentativa é preciosa, senão, ao contrário disso,o resultado inevitável é mais recessão e mais desespero.
Parabéns, vou torcer e acompanhar tudo daqui de longe e ver logo Portugal superando o grande sufoco !!!!!
Carinhos brasileiros! Beth
Permitam-me discordar. Tanto com o não pagamos, como com a saída do euro e, qual regresso ao passado, nos voltarmos a iludir com a clássica desvalorização monetária.
ResponderEliminarProvavelmente não poderemos pagar tudo, mas teremos sempre de pagar parte. E em euros.
Concordo que a viabilidade do país é a questão relevante, mas sair do euro e desvalorizar a nova (velha) moeda é assumir desde logo a sua inviabilidade.
A viabilidade do país tem, pois, de ser encontrada dentro do euro. Fora do euro só poderemos voltar a ter ilusão de viabilidade.
Para nós, portugueses, o problema não está no euro mas sim no interior das nossas cabeças, na insuficiência de empreendedorismo e na fraqueza do empreendedor. É, em primeiro lugar, uma questão cultural e, em segundo lugar, um problema de educação.
Na minha modesta opinião, manter o euro, só poderá ajudar a nossa viabilidade, na medida em que, não podendo recorrer ao facilitismo da ilusão, nos forçará a viver a realidade.
No mais, os números são como são e só nos dizem que o mundo está mudar. Mas muda para todos. Enfrentar estas mudanças em conjunto e na Europa, só poderá ajudar a mossa viabilidade.
E estar na Europa não é estar fora do Mundo. Antes pelo contrário.
Uma outra questão respeita ao próprio euro. Aqui, a dúvida que se me coloca é ainda a de saber se uma moeda pode sobreviver dissociada da soberania. Aparentemente, se todos sócios cumprirem a regra (défice e dívida pública de cada um), sim. O problema é que estamos a ter muitos incumprimentos e sem penalizações que os desincentivem. Mas estou convicto que a zona euro saberá encontrar um caminho para este seu (ainda) bébé.
Para o Ventanias: a meu ver, sair do euro não é, nem uma resposta à crise financeira, nem uma solução fácil, nem uma via que possa ser ajudar a perpetuar a elite política e económica actual. E um princípio de solução para a questão da viabilidade económica portuguesa a longo prazo, ou melhor, uma condição prévia indispensável à reorientação económica radical que acho necessária.
ResponderEliminarNão é resposta para o défice porque a única solução para este é renegociar o que se deve e forçar os credores a assumir uma parte do risco da operação. É para isso que pagamos juros acrescidos.
Não é uma tentativa de atenuar a dor porque é uma via bem mais dolorosa, pelo menos no curto prazo, do que deixar arrastar a decadência financeira e económica actual.
Não vai salvar a classe política e económica muito simplesmente porque nunca esta irá aceitar essa via. Pelo contrário, quando a ideia encontrar eco, vai combatê-la. Quando a realidade a impuser, vai resistir até à última. Enveredar por aí significaria contradizer-se a si própria e tudo o que andou a pregar e a fazer desde há 30 anos. Puro suicídio. Por alguma razão nunca a hipótese foi sequer aventada como matéria de estudo pelo establishment.
Será necessário sair do euro para poder desvalorizar a moeda e recuperar alguma competitividade, o grosso da qual dependerá evidentemente de outros factores. E, sobretudo, para evitar as consequências de uma gestão do euro, actual e futura, totalmente danosa para economias como a portuguesa.
Bartolomeu
Caro FRF, começo a desconfiar que nesta história do pagamos/não pagamos ou sim-euro/não-euro vamos percorrer a mesma novela cujo primeiro episódio acabou no outro dia e que se chamava 'pedimos ajuda/não-pedimos ajuda.
ResponderEliminarOu seja, o 'no, no no no,...yes', que pode ser engraçado mas que nos encarece o "yes" final por demasiado tardio.
O FRF leu os quadros do Bartolomeu? Aquilo são dados e não lhe ouvi um único argumento a desmontá-los. A sua fé no euro, partilhada pelo nosso co-blogger Ventanias, parece-me resultar de uma desinformação de como a zona euro está a funcionar. Ainda ontem o BCE subiu a taxa de referência porque isso interessa aos alemães mas é mortal para a periferia, e prevêem-se novos aumentos até ao final do ano. O que diz a isso? O que diz aos quadros do Bartolomeu? Mas se preferir questionar os custos da saída do euro, ~comparados com a permanência nele, então aceito conversar, mas discutirmos questões de fé não vale a pena: eu respeito a sua e ficamos amigos à mesma, apesar de alguém estar enganado nesta cena. E quem sabe se será o Bartolomeu?
Caro Bartolomeu,
ResponderEliminarUne-nos uma fé. A minha na necessidade de nos adaptarmos a regras que não são as nossas e aprendermos a viver com elas, regenerando-nos. A sua na capacidade de nos regenerarmos com novas regras.
Não discuto questões de fé. Respeito-as.
Mas não concordo com as novas regras que propõe, embora concorde com o diagnóstico que faz, sobretudo da elite política.
Dito isto, as questões que levanta têm dignidade suficiente para um post de pleno direito. Lá voltarei.
Cumprimentos, felicidades nesta nova aventura e bem haja por se disponibilizar à mesma. O mínimo que podemos fazer para ajudar à mudança de que precisamos é incomodar-mo-nos com a situação actual. Nem que seja só postando...
Este comentário foi removido pelo autor.
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ResponderEliminarDesculpa, Douro, mas estou com o FRF. Nas condições actuais, por muito atractivos que pareçam os argumentos do Bartolomeu, sair do Euro aumentava o nosso já de si considerável martírio.
ResponderEliminarQue nos interessa desvalorizar a moeda se não produzimos nada? Para exportar o quê?
Como iríamos pagar a dívida contraída por todos os portugueses, sem juízo nenhum, para comprar casas tendo os empréstimos sido contraídos em euros?
Disseram-nos que não havia alternativa à Europa e por isso lá nos integrámos a todo o vapor. Agora, não venham dizer que temos de sair depois de termos destruído tudo o que nos permitia viver (a custo) sózinhos.
Dizes tu que a Islândia não paga. Nós não somos a Islândia.
Explica-me pf que eu queria saber.
BLX
Caro Bernardo
ResponderEliminarSe bem compreendi o post do Bartolomeu, ninguém veio propôr a saída de Portugal da União Europeia. Outra coisa é saber se o país é viável com regras como as que vêm sendo seguidas na gestão do euro pelo BCE e pela Alemanha. Para vários economistas, entre os quais o Krugman, a Europa segue um caminho contraproducente enquanto zona euro, ao priveligiar prioritariamente a austeridade em vez do relançamento da economia. Ele talvez ainda nem tenha percebido que na verdade não há Europa mas apenas a ideia de que o que o que é bom para o chamado motor da economia, a Alemanha, é bom para a zona. Ora mesmo que essa política fosse boa para a Alemanha, do que aliás duvido mas concedo, não é seguramente a política que a periferia e Portugal precisam.
Não me leias de través, pois não estou a dizer que podemos continuar nesta loucura que tem sido a gestão pública e bancária dos últimos 15 anos em Portugal. Mas importa ver como vamos tratar da vida daqui para a frente e o que te posso dizer é que se e quando se souberem os reais valores da dívida pública e privada, interna e externa, mais os encargos contratuais conexos, será evidente que não há possibilidade de a pagar com crescimento inferior a 3,5% ano, coisa que se calhar nem daqui a 10 anos se consegue se se mantiver o status quo.
Entretanto os juros vão continuar a subir, o petróleo vai subir, as commodities vão subir e querem-nos sujeitar a um euro forte, que se valoriza? Isso é o suicídio e tens o caso argentino cuja ligação ao dólar os arrebentou até ao dia em que cortaram essas amarras. Ou o caso francês, no tempo do Beregouvois (aquele que se suicidou) em que apostaram num franco forte e arruinaram a economia francesa.
Um grande abraço
meu caro Francisco (douro) nem mais...faço minhas essas sabias palavras.
ResponderEliminarTb acho que é esse o caminho a trilhar por mais penoso que seja, mas parece-me importante realçar que em caso algum Portugal pode ou deve trilhar esse caminho sozinho.
A saida de Portugal da zona euro (mantendo-se obviamente na UE) tem de ser acompanhado dos outros Países (pelo menos Irlanda, Grécia e Espanha). Se o fizer sozinho ...isso seria o desastre total.
...a bem da Nação!!!
Caros Bartolomeu, Douro, Ventanias.
ResponderEliminarObviamente que abandonar o euro é um disparate para o Norte de Portugal e uma grande tentação para Lisboa.
Como referi em 2008 (O FMI "já cá está". O Norte salvou-se. http://norteamos.blogspot.com/2008/11/o-fmi-j-c-est-o-norte-salvou-se.html) todos os últimos 2 anos e os próximos 10, foram/são inteiramente previsíveis. A economia dos bens e serviços não transaccionáveis concentrada em Lisboa, o crony capitalism (ver wikipedia) praticado pelo poder político de Lisboa e o artificial nível de vida que esta região beneficia, era e é insustentável e tinha/terá que acabar. E agora todos eles tem que sofrer as consequências do «modelo de negócio» que escolheram ao longo dos últimos 30 anos. Era o que faltava agora o resto de Portugal ir em salvação de Lisboa.
Por outro lado a economia dos bens e serviços transaccionáveis centrada a Norte e Centro que tem sido sugada pelo sector não transaccionável, como demonstrou Vitor Bento no seu livro «Nó cego» tem estado a recuperar, como eu previ em 2088, como o blogue do consultor Carlos P Cruz Balancedscorecard tem relatado e como se atesta com o recorde de exportações do porto de Leixões em Janeiro último.
Sair agora do euro é uma estratégia típica de Lisboa, milenarmente habituada a viver de esquemas. Se o Norte alinhar neste esquema é apenas revelador da nossa incapacidade de perceber as tendências e construir a nossa estratégia vencedora.
Até o Socrates já percebeu que agora o que está a dar são as exportações e as empresas do regime já se estão a adapatar. A Mota Engil já criou a ME Indústria e Inovação... Apenas as supostas elites do Norte é que ainda não perceberam... E andam as seitas infiltradas no partido do Norte a encaminhar os «patsies» para se criarem bancos... ah ah ah. Enfim, não vão lá...
Ignorem a nossa realidade e o que para nós é o melhor, alinhem com os comentadeiros e tudólogos de Lisboa, apoiem outra vez as suas decisões como o não à regionalização de 1998, e depois queixem-se.