quinta-feira, julho 29, 2010

Postal de Tel-Aviv (3)


Ao ver-me entrar no gabinete, o director dos Arquivos Einstein, na Universidade Hebraica de Jerusalém, hesitou. Percebi que o problema era eu ser mulher. Judeu ultra-ortodoxo haredi, barba e `peyos`( patilhas em forma de caracol comprido), kipa na cabeça, casaco comprido preto e chapéu grande no bengaleiro, saudou-me com uma vénia. Sem aperto de mão.

A conversa começou aos solavancos. Lentamente. Mas o assunto interessava-lhe. Claramente. E os anos vividos na Áustria, donde emigrou para Israel há uns dez anos, ajudaram-no a fazer as pazes com a situação.

Eis o que me explica:
"A história do povo judeu é como um filme cuja película se parte durante a projecção.
O filme começa com a criação do Primeiro Templo, apresenta em seguida a destruição do Templo pelos Babilónios. Prossegue com a criação do Segundo Templo e a destruição pelos Romanos no ano 66 da era cristã. Inesperadamente a película do filme parte-se. E enquanto se está a aguardar que se cole a película, entram no palco outros actores. Os sionistas. E começa um outro espectáculo, que não tem nada a ver com o filme que estava a ser projectado. Usurpadores, obrigam-nos a suspender a projecção do filme. E a retardar a chegada do Messias e a construção do Terceiro Templo a que todos aspiramos".`

'E colonos e colonatos fazem parte de que espectáculo? '- pergunto-lhe. Do dos haredim ou do dos sionistas? - acrescento.
"Do nosso" - responde após uma longa reflexão. "Os colonos religiosos ajudam-nos a preparar o terreno para a chegada do Messias. Ajudam-nos a ocupar a terra. Se bem que, por vezes, tenhamos de reconhecer que alguns deles são actores vindos do espectáculo sionista".

No Museu Nacional de Arte , recentemente inaugurado em grande pompa em Jerusalém, uma maioria de visitantes são haredim em visita a uma maquette nos jardins do museu que reconstitui Jerusalém na época do Segundo Templo. Um grupo de jovens, vindos de Nova Iorque, fato preto, chapéu grande, 'bíblia' na mão, ouve o rabi que os acompanha e discute. Uma rajada de vento leva um dos chapéus para dentro da maquette, junto ao Templo. 'Terá de aguardar a chegada do Messias para recuperar o seu chapéu' - digo-lhe . "E entretanto comprar um novo. Que me custará 200 dólares" - comenta sorrindo.

Maria

2 comentários:

  1. Rica prosa!

    Acho que o chapéu voou porque veio uma rabinada de vento...

    JAC

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  2. JAC, continuas imbatível na perspicácia dos teus comentários. É caso para dizer "Chapeau!"

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