quinta-feira, junho 03, 2010

Postal de Barcelona (4)

Anteontem caí de bicicleta. Ia ter com o Tiago para mandar fazer os óculos novos. Um dia lindo, iPod de serviço, e lá ia eu a rasgar o ar… Em milésimos de segundo, uma sucessão de acontecimentos fez com que eu passasse de Rainha do Mundo a Rainha do Esfolado (e só com muita sorte não me tornei a Rainha Sem Dentes).

Quando cheguei ao pé da estação das camionetas, onde a rua passa a ser exclusiva às bicicletas e aos peões, passou por mim, também de bicicleta, um jovem parecido com os indígenas que me acordam aos Domingos com a música do Titanic em versão flauta-de-pã. Ouvi um estalido e um pequeno estrondo e olhei para a direita. A bicicleta tinha-se desmontado toda e ele tinha caído ao chão, com uma cara muito aflita, o cabelo comprido todo desalinhado.

Por solidariedade ciclista voltei para trás, para saber se precisava de alguma coisa. Quando comecei a dar meia-volta, reparei numa pomba (aqui são especialmente repugnantes) que debicava umas migalhas do chão enquanto perigosamente dela se aproximava uma gaivota gigante, que acabou por lhe morder a asa. Rebolaram mesmo para a frente da minha bicicleta, o que me obrigou a uma travagem brusca e fez com que me desequilibrasse.

Não me esborrachei propriamente no chão, porque a Divina Providência tinha colocado um poste mesmo ali à disposição. Mas ainda esfolei a perna no pedal, torci o pé que pousou no chão e o pulso que se agarrou ao poste ficou a doer até agora. O meu colega de queda, esse, estava tão irritado com as peças da bicicleta espalhadas por todo o lado que nem reparou no meu próprio drama…e eu fiquei ali, agarrada ao poste, a bicicleta aos pés, com os meus esfolados e a minha vergonha.

Em Barcelona, cair de bicicleta está ao nível daquelas mulheres que desfazem todos os carros à volta para poder estacionar o delas no espaço onde cabe um camião – a bicicleta aqui não é uma actividade de lazer, é um meio de transporte, uma necessidade, exactamente como um carro ou uma mota. Oh, infâncias infelizes, as de quem não andou de bicicleta sem o peso da responsabilidade!…

Eu como aprendi a andar de bicicleta ao mesmo ritmo em que aprendi a cair, mas também tenho vergonha na cara e não gosto de dar aos catalães motivos para se rirem de mim, pousei a bicicleta na primeira estação de bicing que encontrei e fiz o resto do caminho a pé. A mancar, mais precisamente. E furiosa com a borboleta japonesa que bateu as asas em Quioto e, de alguma forma que só a física quântica poderá explicar, provocou a minha queda.

Ana

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