Pelo pouco que me tem sido possível acompanhar o assunto, exclusivamente através da televisão, parece-me que se está a correr um sério risco de deixar cair esta situação da aluna que agrediu a professora, por causa de um telemóvel, numa situação de excepção. É muito mau que isso aconteça.
Primeiro, obviamente que reconheço que se trata de um caso concreto, que merecerá uma solução adequada às circunstâncias dos seus protagonistas e da situação em si mesma, incluindo o facto de ter sido tornada pública - o que, eventualmente justificará e reclamará uma solução especial por isso mesmo.
Porém, seria errado reduzir a situação a um caso particular. Como o demonstra bem a atitude dos restantes colegas presentes na própria sala de aula, começando pelo que decidiu "filmar a cena" e depois divulgá-la no Youtube; obviamente, a cena pareceu-lhes antes de qualquer outra coisa, um motivo para a galhofa. E aí é que está, quanto a mim, o aspecto mais grave e mais problemático da situação.
Se houvesse respeito pela autoridade da professora, a atitude natural dos restantes alunos deveria ter sido uma de embaraço; embaraço pelo desrespeito que estavam a presenciar e embaraço pela dificuldade da professora em afirmar e impor a sua autoridade. Pelo contrário, o que assistimos foi uma atitude de gozo. O que só pode significar que nem a autoridade da professora é reconhecida, nem a situação foi identificada como sendo grave. O que é tanto mais sério, quanto a interrupção da aula com o telemóvel deveria por si só incomodar os presentes. Afinal, os próprios telemóveis permitem gravar os números das chamadas recebidas, para depois a devolver, quando oportuno - por exemplo, num intervalo.
Por conseguinte, a mim parece-me que está em causa um fenómeno mais geral, de que somos todos autores e pelo qual somos todos responsáveis. Trata-se de saber em que medida respeitamos e transmitimos, ou seja ensinamos, esse respeito aos nossos filhos e aos dos nossos vizinhos. Esta é a única questão que me interessa na estória. Tudo o mais é folclore do caso concreto; não me sinto capaz de o julgar, nem pretendo colocar-me na posição de juíz da aluna, da professora ou dos restantes colegas.
Cumpre-me apenas avaliar a situação e decidir: trata-se de um caso isolado? Se sim, que o resolvam à porta fechada. Se não, então o assunto é sério e merece debate público e alargado.
Pela minha parte, não creio que se trate de um caso isolado. Ouvi miríades de queixas de diversos professores, de pais de alunos, a comunicação social fala disso frequentemente, todos queixando-se de situações parecidas ou até mesmo mais graves. Por conseguinte, há aqui um fenómeno generalizado que merece a nossa atenção.
Foi sobre isso que pretendi pronunciar-me em post anterior. Creio que nos habituamos a questionar a autoridade de quem a exerce, como se isso fosse uma coisa normal. Teremos boas razões para o fazer, todos nós conheceremos situações de abuso de autoridade ou de aplicações discriminatórias das leis - por exemplo, quando procuramos licenciar uma obra qualquer e nos é pedido uma certa maquia, sob pena de a licença se arrastar por anos sem fim; ou quando sentimos que as leis não são aplicadas da mesma forma a todos, como no caso do aumento da idade legal de reforma, que nos obriga a trabalhar mais anos, quando os mais poderosos lhe tem acesso em menos tempo e por vezes em condições completamente imorais.
Mas a questão não se esgota aí. Se queremos que as leis sejam aplicadas cegamente, isto é independentemente de quem a viola, então temos de começar por exigir que as leis, todas as leis, sejam cumpridas. Seria bom que o exemplo viesse de cima, por exemplo que fossem os nossos governantes a dar-nos o exemplo das alterações do contrato social que nos pedem para observar-mos. Na falta disso, o que nos resta é exigir que as leis sejam aplicadas cegamente. Todas as leis. Mesmo aquelas que nos parecem manifestamente desajustadas, como por exemplo o limite de velocidade numa autoestrada deserta, de três faixas em cada sentido. Uso este exemplo por ser provavelmente aquele em que mais de nós se podem rever.
Se não concordamos com essa lei, o que há a fazer é procurar a sua alteração. Enquanto ela não ocorrer, devemos respeitá-la. Sem isso, nunca respeitaremos a autoridade, nem muito menos poderemos ensinar outros a respeitá-la.
Obviamente que reconheço que o problema não se esgota neste aspecto da aplicação cega da lei. Sei, por exemplo, que também passa fundamentalmente pela destruição da autoridade dos pais, que se tem procurado reconstruir em moldes de uma pretensa amizade igualitária entre pais e filhos, que destrói e ataca profundamente o respeito pelo que não é igual, em qualquer sociedade e na Nação portuguesa em particular. Sem a consciência de que há coisas que não são iguais, dificilmente se interioriza a necessidade do respeito pela autoridade. Do mesmo modo que a igualdade perante a lei, não é o mesmo que a igualdade absoluta. Essa seria uma outra discussão, porventura filosoficamente mais interessante, mas que, no estádio actual da Nação portuguesa, me parece perdida; pelo menos para já.
Daí que tenha escolhido a questão da aplicação cega da lei, como pré-condição do respeito pela Autoridade. Parece-me mais premente. E mais próxima da questão de fundo que levou ao desrespeito pela professora. E geral, na medida em que nos diz respeito a todos. A todos nos é pedido que respeitemos as leis. Todos devemos colaborar no sentido das leis serem cumpridas. Nomeadamente quando assistimos a violações dessas leis. Portanto, meu caro Carlos, a questão não é saber se queremos ser "bufos"; a questão é saber se queremos pactuar com violações da lei, ou pior, ser coniventes com essas violações. É por aí que se chega à questão que aqui nos ocupa, a do respeito pela autoridade.
Sem confundir respeito pela autoridade, com silêncio perante o seu abuso - que me parece ser uma das questões que mais preocupa quem se pronuncia sobre a ASAE; para mim, se esta entidade está a fazer cumprir a lei, pois que continue. Se está a abusar do seu poder, pois que seja denunciada e perseguida: que seja ela própria objecto da aplicação da lei.
Resumindo, não creio que a situação da aluna seja um caso isolado, uma excepção. É um problema nosso, que todos nos devemos ocupar a resolver.
É possível um Portugal melhor. Basta querer.
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