O acordo ortográfico que vai entrar em vigor em Janeiro de 2008 parece uma coisa extraordinária sob vários pontos de vista. Começa por se dizer que: “com as modificações propostas no acordo, calcula-se que 1,6% do vocabulário de Portugal seja modificado. No Brasil, a mudança será bem menor: 0,45% das palavras terão a escrita alterada. Mas apesar das mudanças ortográficas, serão conservadas as pronúncias típicas de cada país" (é caso para dizer que quando se é capaz de uma tal consideração final já está tudo perdido, mas não devemos ser fatalistas).“O português é a terceira língua ocidental mais falada, após o inglês e o espanhol. A ocorrência de ter duas ortografias atrapalha a divulgação do idioma e a sua prática em eventos internacionais. Sua unificação, no entanto, facilitará a definição de critérios para exames e certificados para estrangeiros”. Está-se a ver que a ineficiência ortográfica tem atrapalhado enormemente o inglês, o francês e o espanhol, e tem obrigado os países que falam a língua mãe a profundas e radicais alterações linguísticas. Mas uma vez mais, adiante. Devemos é ficar satisfeitos com a possibilidade que nos é dada de conservar o nosso sotaque e conformados com o grau de zelo e dinamismo que o nosso país (que não tem outros problemas com que se preocupar) coloca na manutenção da coerência universal da sua língua. Vejamos agora só um ou dois pontos do acordo, aqueles que nos dizem mais directamente respeito. Em Portugal, desaparecem da língua escrita o "c" e o "p" nas palavras onde ele não é pronunciado, como em "acção", "acto", "adopção" e "baptismo". O certo passará a ser ação, ato, adoção e batismo; Também em Portugal elimina-se o "h" inicial de algumas palavras, como em "húmido", que passará a ser escrito como no Brasil: "úmido ". Só isto já arrepia qualquer velhote com mais de trinta anos. Mas o mais surpreendente de tudo, quanto a mim, é a eliminação da acentuação da palavra “pára” que passa a ser escrita como “para”. Devo dizer que considero esta equiparação fabulosa. Imaginem só um exemplo prático retirado do conto infantil dos três porquinhos mas com aplicação a qualquer história de polícias e ladrões, relato jornalístico de perseguição, ou legendagem de filme de cowboys. A certa altura, o lobo mau diz, segundo as novas regras ortográficas, para o porquinho do meio, depois de derrubar a sua casa de madeira: “para aí, seu porquinho descarado”! Vejam só. O porquinho vai ficar confuso, e o leitor também. Será que o lobo mau queria dizer para o porquinho seguir para um sítio determinado? E se era “para” seguir para algum lado, para onde? Ou quereria antes dizer ao porquinho para parar? Nesse caso não deveria ter preferido um “estaca aí” seu porquinho rechonchudo, ou talvez “imobiliza-te”, detém-te” imediatamente, “alto”?! A indecisão gerada pelo uso uniformizado da palavra “para” pode-se tornar fatal ao porquinho que entretanto vai ter que parar para pensar. Ora isto não se pode admitir :-)
A lingua portuguesa, é um património comum a vários países, não exclusivo de Portugal. É viva, dinâmica e evolutiva. As modificações que agora nos parecem estranhas aumentaram o valor intrínseco do único património verdadeiramente global que Portugal oferece ao mundo de hoje.
ResponderEliminarRecear a mudança é "latinizar", desculpa o abuso linguístico, a nossa língua. O latim é hoje, morta.
A primeira grande ruptura na nossa língua, salvo melhor opinião, acontece em 1516, com a publicação do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
..."E leixadas as fallas dalguuns, que em favor delle razoavom, dizendo que nom era maravilha o que elRei fezera, e que ja a outros acomteçera semelhavel erro, avemdo gramde amor a alguumas molheres."...
Bom tema para o vosso blogue.
O que dizes acerca da deslatinização do português e da necessária evolução de uma língua é verdade, e também concordo que ela significa que a língua está viva (aceito isso perfeitamente, por exemplo, em relação à queda do p e do c nas palavras onde não é pronunciado) mas já acho que não faz muito sentido querer manter à força a uniformidade de uma língua que vai evoluindo necessariamente de formas diferentes nos vários países que usam o português.
ResponderEliminarE, já agora, em português arcaico, e do mesmo autor, gosto mais da Crónica de D.Pedro do que da de D.Fernando: "E seemdo nembrado de homrrar seus ossos, pois lhe ja mais fazer nom podia, mandou fazer huum muimento dalva pedra, poemdo emlevada sobre a campãa de çima a imagem della com coroa na cabeça, como se fora rainha" (...)"E semelhavelmente mandou el rei fazer outro tal muimento e fezeo poer açerca do seu della, pera quando se aqueeçesse de morrer o deitarem em elle".
Obrigada e um beijinho
Acho ótimo o acordo. Para de aver diferenças (ou será diferensas?). Os homens de fato tiveram uma boa ação e gosto do testo.
ResponderEliminarEstou ansioso pela revisão do acordo, desta feita armonizando com os PALOPS e unificando o Pretoguês.
Os acórdo ortagráfico é muito bão di fato, para os gente sintender.
O norte debia ter matéria num assuntum!
ResponderEliminarE poçibel um purtugal milhor. Basta kerer.
ResponderEliminarParece-me que também aqui se está a cair na tentação da nivelação por decreto daquilo que é, naturalmente, diferente.
ResponderEliminarÉ verdade que a língua portuguesa é uma realidade viva e é verdade que as mudanças que desde sempre a esta parte se têm vindo a impôr à língua portuguesa, na forma falada e escrita, não a menorizam. Mas não é por acaso que a língua portuguesa falada e escrita no Brasil tem as particularidades que tem. E o mesmo se poderia dizer relativamente a qualquer outro país de expressão oficial portuguesa. Isso decorre naturalmente do "ADN" que cada um dos povos que fala o português empresta à língua.
E mais, nunca foram as particularidades da língua portuguesa em cada ponto do globo onde é falada que fizeram duvidar se é português que está a ser falado ou se é outra língua qualquer.
Quanto a mim a riqueza do português é essa. Ser falado por povos diferentes que dão um bocadinho do que é seu à lingua que falam.
Por outro lado não creio que vá ser a harmonização ortográfica que vá harmonizar os discursos, como me parece ser o objectivo último do acordo. Basta que haja expressões que embora obviamente comuns (a portugueses e brasileiros, p/ex) sejam comummente usadas por uns e por outros não.
Mas pegando na provocação da Paula Faria, ainda não estou convencido com a "cereja" que nos deram quanto a podermos manter o sotaque. Acho que não tardará muito até termos o acordo que nos obrigará a mudá-lo também. Mas que sei eu disto? Sou apenas um velho com mais de 30 anos...!
O problema do acordo é que os Brasileiros conseguiram que oa Africanos aceitassem que as alterãções deles são correctas e já podem vender livros para lá. O problema dos brasileiros é que mudam constantemente e daqui a 20 anos estamos a fazer novo acordo "para limar mais algumas diferenças"
ResponderEliminarComo dizia uma professora minha "quando se perde a vergonha, nunca mais se encontra" O problema foi ceder uma vez.
Eu vou continuar a escrever como até aqui. Tenho pena dos meus filhos...
muito bem pegado!
ResponderEliminarjgg
Vejamos como o inglês, essa língua tão "universal", é diferente dos EUA para o Reino Unido.
ResponderEliminarEUA - R.Unido
Flavor - Flavour
Gray - Grey
Analyze - Analyse
Center - Centre
enrollment - renrolment
analog - analogue
program - programme
judgment - judgement
defense - defence
... e a lista continua.
Vale a pena alterar as palavras do Português Europeu? Não.
Para os brasileiros, remover o acento de "pára" não tem problema nenhum... porque pronunciam "pára" e "para" da mesma forma. Já em Portugal não é assim, daí o acento.
Nem preciso de referir o famoso exemplo de um Cágado se tornar num Cagado...
Tirar o "p" de adopção é uma estupidez, porque para nós portugueses a pronúncia do "o" em "adopção" e "adoção" (nem sei se essa palavra existe) é diferente. O "p" ajuda a diferenciar o "o". Já no Brasil, a pronúncia é a mesma por isso que tirem o "p".
Para terminar, mais um exemplo. A palavra "recepção" tem um "p" mudo, portanto iria cair com a proposta de acordo que não vai entrar nunca em vigor. Mas... no Brasil o "p" é pronunciado!!! "E esta, hein?"
Mais vale deixar as coisas como estão... nós compreendemos o Português "abrasileirado", o problema é que a grande maioria dos brasileiros não percebem o Português Europeu, ao ponto das produções audiovisuais portuguesas que chegam ao Brasil serem DOBRADAS, e os nossos actores serem OBRIGADOS a falar "em brasileiro".