Pessoalmente tenho muitas dúvidas num ou dois pontos colocados à discussão pelo nosso amigo Ventanias acerca do que deve ser o modelo de ensino universitário. A maior delas diz respeito à utilidade do afunilamento do conhecimento em áreas do saber ou especialidades onde possa existir o risco desse afunilamento surgir desacompanhado de uma adequada formação generalista ou de base. A Universidade não pode – nem o quererá seguramente – estar a formar reputados generalistas que falam sobre tudo, e não sabem de nada, mas tem como dever e missão garantir que os profissionais que lança no mercado têm a estrutura suficiente para saber manipular os elementos essenciais de qualquer saber, valorar adequadamente os factos e tirar conclusões, chame-se a isto intuição, ciência, ou outra coisa qualquer, e isso supõe formas de conhecimento global. Parece-me fundamental a criação de quadros mentais, a aquisição do pensamento abstracto, das linhas gerais, e o conhecimento a fundo dos princípios dos vários ramos de conhecimento a aplicar.
O que se poderá, mas isso é coisa diferente, é garantir que a aquisição dessa visão generalista se faz em moldes distintos e mais abertos dos tradicionais. É esse o sentido da reforma que algumas Universidades, incluindo a nossa, tem vindo a fazer, e que compreende a avaliação contínua dos alunos nas aulas, incentivando-os a apresentar trabalhos e a preparar antecipadamente as matérias a leccionar, realizando orais interdisciplinares e integrando o programa Erasmus no seu percurso académico (e aí está um bom exemplo de generalista, livre pensador e viajante, cujo quadros de pensamento e de aquisição do saber Bolonha não enjeita). Mas não nos iludamos que a questão acaba por ser a mesma de sempre. É que, ou o aluno é bom, e tanto é óptimo neste sistema como no antigo, ou não quer participar, não participa, e inviabiliza na prática as boas intenções de Bolonha.
Também tenho a dizer a favor dos corpos docentes das várias instituições que o trabalho disparou em flecha com o novo sistema, de forma quase incomportável, não esquecendo que a maior parte dos professores ainda é solicitado para fazer arguições de mestrado e de doutoramento noutras instituições além da sua, e vai ter que orientar a avalanche de teses que prometem vir a caminho. Talvez esse seja o preço a pagar pela adaptação aos novos tempos uma vez que a fase é indiscutivelmente de transição, mas temo que a utilidade seja pouca e a sobrecarga muita, ao ponto de prejudicar o desempenho de outras tarefas vitais da vida universitária como o próprio trabalho de investigação.
Já sobre a fase de especialização propriamente dita, não tenho dúvidas de que ela é uma exigência do mundo em que vivemos, e que cada vez mais se vai impondo o especialista em direito do turismo com uma pós graduação em gestão de unidades hoteleiras e mestrado em direito das bebidas alcoólicas :-), ao profissional “do direito”. Concordo que as teses servem para produzir conhecimento novo em lugar de constituírem uma repetição até à exaustão do conhecimento adquirido até ao momento. Só que isso, ao contrário do que se pensa, significa um apuro e uma exigência postas na sua realização que a alma lusa está longe de conceber… Quer dizer, uma tese como deve ser é, em primeiro lugar, uma tese, implica uma conclusão e uma fundamentação adequada dessa conclusão. Obriga, por isso, a proceder a todo o trabalho de investigação que já era feito até aqui, e depois a “depurar”, a limpar de artifícios, para se ficar com o rigor das respostas e das conclusões. Não estamos perante um caminho de facilitação como às vezes se parece pensar, e como os alunos – qualquer aluno – gostaria de acreditar. Pois. Acho que nunca escrevi tanto…
Paula, plenamente de acordo.
ResponderEliminarAs "oportunidades de Bolonha" só são vistas como tal por quem não está dentro de uma Faculdade e não está esmagado pelas vicissitudes burocráticas várias que desvirtuaram o processo e que nada trazem dos ventos de modernidade de que alguns falam.
Discordo. Da Paula, porque o que dizemos não é contraditório, a não ser na questão da necessidade de um certo quadro mental de que falarei noutra oportunidade, porque o essencial disso deve vir do Liceu.
ResponderEliminarDa Luísa, porque os problemas que coloca não tem nada a ver com a função da Universidade, que foi do que pretendi falar.
A questão é que de nada serve pensar "a função da Universidade" sem verificar em concreto quais são as condições que os agentes que dela fazem parte têm para a fazer verdadeira. Por outro lado, e em vertentes que ultrapassam as Faculdades, o dito processo de Bolonha não teve por parte dos decisores políticos qualquer preocupação de articulação com a realidade e/ou com as habilitações profissionais. Basta ver o caso do Direito e das propostas de lei em discussão na AR quanto ao acesso à OA e ao CEJ, quando desde há muito as Faculdades exigiram dos ditos responsáveis políticos outra definição.
ResponderEliminarE é neste ponto - como em outros - que "Bolonha" é um paradigma estéril, porque se deslumbra com o que não devia e deixa na sombra o que há muito merece urgente e ponderada reformulação.
Mas fica para outros locais e oportunidades tudo o que haveria a dizer sobre isto.
Sem prejuízo de tudo quanto deixei afirmado na minha posta principal, muito agradeceria à Luísa que aqui elaborasse sobre os defeitos do paradigma de Bolonha. Em particular sobre os aspectos em discussão na AR; é especialmente importante perceber se se trata de interesses corporativos, como habitualmente, ou se há coisas mais importantes em causa...
ResponderEliminarPor acaso, tal como o Ventanias, também gostava de conhecer melhor as virtudes e defeitos do modelo de Bolonha, se bem que não me admirarei que o que a Luísa, de uma forma geral, descreveu venha a ser confirmado com a concretização, já que aquilo que nesta como em quase todas as áreas se tem visto "encaixa" no perfil delineado pela Luísa. Isto é, modelos bem intencionados, feitos em total arrepio da realidade e com total carência de aptidão prática.
ResponderEliminarComo advogado posso dizer que no meu dia a dia profissional sou permanentemente confrontado com medidas legislativas que padecem deste mal. São aquilo que se poderia classificar como "leis feitas por quem não sabe onde fica a porta do gabinete que dá para a rua".
Relativamente ao post propriamente dito, não posso estar mais de acordo. Devo dizer que considero que a ideia da especialização "às cegas", como penso ser uma tendência actual, vai dar resultados péssimos. Os médicos sempre perceberam isto e tanto assim é que na medicina a especialidade só se tira depois de um profundo conhecimento do sistema (humano) no seu todo. É que estando aí em causa a saúde e a vida das pessoas há pouco margem para experimentalismos na área da micro-especialização - já viram o que seria o maior micro especialista do fígado não conhecer profundamente as reacções do resto do corpo. Iria permanentemente curar o figado "à custa" dos rins, do pâncreas, dos pulmões, etc.. Espero francamente que o sistema de Bolonha ou outro qualquer que o substitua seja pelo menos tão exigente no ensino do ABC como no afunilamento do conhecimento que o avançar da carreira académica implica. Deixar esta tarefa aos liceus é essencial... mas muito insuficiente.
Agradeço o repto, mas explanar "as virtudes e defeitos do modelo de Bolonha" em formato de comentário a post é decerto - passe a piada jurídica - "declaração não séria" e tarefa impossível.
ResponderEliminarConfesso também que quem tem discutido por dever de ofício está já em estado de exaustão quanto ao tema, para mais em azáfama de início de ano lectivo, com a entrada em vigor de todas as alterações.
Fica pois a discussão para outras oportunidades, como já tinha deixado dito acima.
Pela parte que me toca aceito o adiamento. Que de resto não o é verdadeiramente, pois não esperava que as "virtudes e defeitos do modelo de Bolonha" me fossem explicadas neste momento e nesta forma de debate.
ResponderEliminarSeja como for, outras oportunidades seguramente surgirão. Se não surgirem, paciência, pela universidade passei há já uns anos e ainda terei que esperar uns 16 anos até o problema tocar directamente ao meu filho... Só nessa altura é que não adiarei mais.
Sobre bolonha não me pronuncio.
ResponderEliminarMas uma bolosenha (lasagna, é óbvio) já marchava!