Acabei agora mesmo de ler o acórdão da Relação de Coimbra que decidiu manter a condenação por sequestro do sargento de Torres Novas que se recusou a entregar a criança que tinha à sua guarda ao pai biológico e às autoridades. Já tinha lido nos jornais que o tribunal entendia que o sargento tinha tratado a criança como se de um “animal de estimação” se tratasse, e que não tinha pensado no bem dela mas antes no seu interesse egoístico, mas tomei todas essas afirmações como afirmações descontextualizadas e avulsas, feitas assim como forma de ir mantendo a opinião pública agarrada à novela que, mal ou bem, todos estes casos de vida afinal oferecem, até que, hoje de tarde, me atiraram literalmente com o texto do dito acórdão para cima da secretária. Confesso que fiquei, e ainda estou, perplexa com o seu conteúdo. Faço parte das pessoas que tiveram a graça de ter uma família biológica que podem chamar sua, mas não sei como me sentiria como adoptante, ou como adoptada, se me tivesse que confrontar com as considerações que ali se tecem como fundamento da decisão tomada. O tribunal (http://www.trc.pt/. , em comunicados), distingue dois estados da vida familiar: o estado de “encantamento”, que decorre do enquadramento de uma criança na sua família natural e biológica, e o estado de “ruptura”, que vem da sua integração numa família que não é a dela, e que é um estado ficcional, artificial, criado. Desde logo, os exemplos de estado de encantamento encontrados, são, no mínimo, de arrepiar. Usar como paradigma de estado de encantamento familiar a história, de Andersen, da menina dos fósforos que morre gelada na berma do passeio, mas que morre contente porque sonha que está nos braços da avó…, não me parece a melhor ideia ou figura de estilo, mas indo ao fundo da questão, e apesar de me parecer óbvio que o sentimento de ligação a um pai, ou a uma mãe, não dependem do bem estar material que eles podem proporcionar, parece-me impossível de generalizar qualquer conclusão a partir daí. Vive em estado de encantamento a criança que vive numa família biológica que não lhe tem afecto, que a coloca em risco, e que lhe bate todos os dias se o trabalho não rende ou o vinho não cai bem? E pode-se falar de um estado de ruptura ou ficcional quando se dá aconchego, carinho e educação a uma criança, mesmo que esse estado não lhe fosse destinado pela ordem natural das coisas? E será que é legítimo permitir intuir sequer uma aproximação entre o conceito de ruptura familiar e um instituto como o da adopção que a lei civil há tantos anos reconhece e que já foi remédio para tantos e graves males? Os pais adoptivos são criadores de uma ficção, ou são a realidade – e a realidade tantas vezes tristemente desejável - da criança que trazem para casa e cujo futuro garantem? Fiquei elucidada. A versão que me foi dada pela comunicação social era bem mais “soft”.
Muito bem, carissíma Paula, como é habitual. Tocas, aliás, num ponto que a mim me tem provocado reflexões pouco ortodoxas. Um dos fenómenos da modernidade é a profileração de relações homossexuais. Há muito boa gente que hoje defende o direito a casar aos membros dessas relações. Eu sou contra, porque entendo que a interferência do estado na relação entre duas pessoas é uma violência que só pode ser justificada pela existência, ou possibilidade de existência de filhos. E pela inevitabilidade do divórcio e da regulação das relações entre as pessoas nessas situações. Admito que se encontre um qualquer contrato de "relações privilegiadas" entre parceiros que decidem viver em comum, seja com partilha de cama ou não, mas nunca um casamento.
ResponderEliminarEm contrapartida, sou a favor da adopção por homosexuais, porque entendo que o desejo à paternidade de um indíviduo que opte pela homossexualidade só poderá ser resolvido por essa via, visto que a natural está prejudicada pela sua escolha de sexualidade, e também porque essa me parece ser uma forma mais humana de resolver o problema de quem não tem família. Note-se, como um direito do indíviduo, não de um teórico casal, ainda que se possa admitir a adopção individual pelos dois... com regras claras e bem definidas quanto a futuras soluções em caso de ruptura.
Social e moralmente, parece-me que estas ideias fazem mais sentido do que a concepção homo-cêntrica dos "direitos" a tudo e mais alguma coisa.
Mas admito que não será pacífico, nem muito menos consensual.
Faltou o argumento principal, peço perdão: obviamente, também entendo que o problema principal na adopção é o da criança que não tem família e tem direita a uma família. Mesmo que seja uma família "imperfeita" ou "menos que perfeita". Resolver o problema das milhares de crianças que não tem um lar, parece-me, deveria ser uma solução preferível à proliferação de lares sociais para órfãos. Por muito humana que seja, uma instituição não é uma família - mesmo que esta seja menos do que perfeita.
ResponderEliminarNão estava a pensar nessas situações quando escrevi. Acerca delas tenho as mais sinceras dúvidas, sobretudo onde se trata da adopção singular por um membro de um casal de homossexuais, porque aí a "ruptura" com o modelo familiar padrão parece-me excessivo, e estou a pensar no próprio interesse da criança. Uma coisa sempre serão as opções de vida de um casal de adultos, com as quais não tenho nada a ver, outra completamente diferente é a formação e a educação de uma criança que é entregue à adopção, e de que o Estado, e cada um de nós, não nos podemos desresponsabilizar....mas admito o preconceito.
ResponderEliminarNenhuma criança que seja criada por um casal do mesmo género será uma criança normal.
ResponderEliminarAdmito, que pessoas absolutamente excepcionais, nessa condição, possam criar uma criança equilibrada, mas é um milagre!
Duas mulheres cultas, bem formadas, com um sentimento de maternidade intacto, poderão ser um bom casal de adopção.
Em dois homens não acredito.Ou ainda será mais raro.
A adopção envolve crianças inocentes e, como tal, é uma decisão muito mais dificil do que o facto de duas pessoas do mesmo sexo viverem juntas.
Afinal, viver juntas, não faz mal a ninguem.É-me indiferente.
Este acórdão é do mais infeliz que possa existir e faz-nos temer pelo pior no que diz respeito à administração da Justiça. Só se compreende mesmo numa perspectiva de tentar branquear a incompetência dos colegas juízes que ao longo de tanto tempo não conseguiram decidir quem são os verdadeiros pais da criança. Por verdadeiros entenda-se aqueles que estão em melhores condições de cuidar da criança, pois isso é o que interessa. Pelos vistos os juízes desembargadores estão mais preocupados em salvar a face da classe...
ResponderEliminarCaro Ventanias, desculpe lá, mas um individuo que opte pela homossexualidade não pode (obviamente) ter qualquer "desejo ou aspiração à paternidade". Pelo menos, enquanto paternidade tiver o significado que tem desde o inicio dos tempos. Deixemo-nos de fantasias modernistas.Eu respeito. Mas o respeito vai até ao ponto em que também a natureza, tem que ser respeitada.
ResponderEliminarA adopção homossexual é francamente contra-natura. Não é um dogma, nem um sofisma. É pura constatação da Natureza.
Quanto ao Acórdão, depois de o ler, reafirmo a minha opinião. É PREMENTE uma vassourada no curso do CEJ de alto a baixo, porque não se estão a formar Magistrados.Formam-se técnicos de aplicação da Lei. Lamentável.
Caro ACF, o ponto é precisamente esse.
ResponderEliminarVamos admitir que há pessoas que só se sentem realizadas na opção homossexual. Sabemos que as há. Se essas pessoas continuarem a sentir aspiração pela paternidade (ou maternidade), não tem hipótese de a realizar pela "natureza", só com artifícios.
O pensamento tradicional e libertário nesta matéria, é dizer que essas pessoas tem os mesmos direitos dos outros. Logo, procriação médicamente assistida, recurso a úteros de aluguer, etc. QUalquer dessas soluções me parece falsa e inadequada, na medida em que não respeita a integridade da opção homossexual inicial.
Pelo contrário, a adopção não levanta problemas morais desse tipo. A idoneidade de um indíviduo para adoptar não depende da sua opção sexual. Pode até argumentar-se que é independente dela.
Portanto, creio, a questão principal é a da criança. Como já afirmei acima, acredito que uma família, ainda que imperfeita, é melhor do que uma instituição. Mas acredito em mais algumas coisas.
Uma família é sempre uma família, isto é um vínculo entre pessoas da classe pais e pessoas da classe filhos, e entre pessoas de cada uma dessas classes. Esses vínculos são, pelo menos idealmente, regidos por um conjunto de regras, mais ou menos tradicionais, que se vão afirmando e evoluindo de acordo com os tempos concretos de cada sociedade concreta.
Nos nossos tempos e nas nossas sociedades, existem já socialmente aceites diferentes tipos de famílias, para além da tradicional. Mães solteiras, casais divorciados, etc.
Por outro lado, há um número significativo de órfãos ou de crianças abandonadas que necessitam claramente de apoio e que melhor se poderiam desenvolver caso fossem adoptadas.
Excluindo aberrações que por aí possa existir, a pergunta que se poderá fazer é a seguinte: a opção sexual de um indíviduo deve ser um factor decisivo da capacidade de adoptar?
Não creio.
Não te esqueças que estás a colocar a questão da adopção por um casal homossexual (não da adopção por um homossexual) que obriga a criança a conviver com opções diárias de vida, e de família, muito, mas muito, diferentes do "normal". Vais-me dizer que isto é preconceito, e concedo. É, mesmo. Mas não só ele é dificil de ultrapassar em termos gerais, o que se vai reflectir negativamente na criança eventualmente adoptada, na escola, na rua, onde quer que vá, como me parece que um casal com estas caracteristicas dificilmente corresponderá ao exército de exigências que os serviços colocam para a adopção e que são impostos pelo interesse da própria criança -estabilidade, inserção social, etc. Quanto a mim, a adopção por casais homossexuais não faz sentido. A sociedade pode ter que respeitar padrões diferentes de vida entre adultos, mas não se pode querer depois introduzir nesses modelos de vida elementos que lhes são alheios, como a reprodução, ou a relação pais-filhos.
ResponderEliminarExcelente comentário este último.
ResponderEliminarAliás, decisivo (e instrutivo q.b.) perante alguns deliríos que "esvoaçam" por estas rabanadas.
Peço desculpa se não fui claro. Sou contra a adopção por "casais" de homossexuais, pois nem sequer lhes reconheço o "direito" a casar.
ResponderEliminarO que propuz foi o reconhecimento do direito a adoptar aos homossexuais, enquanto indíviduos. Tão só.
Admito que também eu tenho os meus preconceitos. Mas procurei, ainda que simplificadamente, contextualizá-los no respeito da autonomia da vontade individual: quem faz opções diferentes, assume consequências diferentes...
Caro Ventanias:
ResponderEliminarPara mim, a resposta clara à sua pergunta é Sim.~
É um sim que não se fundamenta em intuitos persucotórios ou de qualquer juízo de valor sobre a opção sexual de cada indviduo, porque respeito a liberdade e o bem estar individual. Mas respeito ainda mais, o bem estar e o desenvolvimento harmonioso da criança, que é claramente o vértice mais frágil do processo de adopção, e que me parece secundarizado na posição que o Meu Amigo assume.
Em boa verdade, saúdo o excelente comentário da nossa "Amiga" Paula Faria, que tocou fundo no problema, porque respeitar a opção de vida por parte de determinada pessoa, não passa por criar óbvias dificuldades ao desenvolvimento harmonioso de outra(a criança). A isso, chamo Egocentrismo.