Lisboa, um dia útil depois do almoço, diálogo com um taxista, filósofo do direito e seguidor da teoria normativa dos factos. Tudo começou com um profundo silêncio de cinco minutos, subitamente interrompido pela travessia de uma passadeira por um peão que parecia não ter muito amor à vida. Foi nesse momento que o ouvi dizer: ele tem direito, ele tem o direito de atravessar a via publica na passadeira, mas ter um direito não quer dizer que “póssamos” usá-lo….(o problema foi identificado: há a titularidade de um direito, normativamente a pretensão é fundada). E vira-se para trás, para mim: para usar um direito tem que haver condições, não é…? (ele, lá no fundo, sabia que o direito pode ser eliminado pelo facto…). E continua: por exemplo (o problema colocado na prática), eu vou numa "ritunda". Tenho prioridade. Mas se vier um camião de uma tonelada a entrar na "ritunda" eu já fico sem a prioridade… a senhora imagine que ele vem a entrar na "ritunda" por uma descida, e fica sem travões…. eu quero lá saber da prioridade, o que eu quero é ficar vivo, não é? (reparem bem: o facto a ditar a norma, o direito a recuar perante exigências de estrita e pura utilidade!) No outro dia, à minha frente, no meio da rua, estava um camião com uma magirus a fazer manobras, aquilo é um bico de obra, e então um polícia que lá estava a olhar, levantou a mão para mim, e mandou-me avançar. Vamos homem, pode seguir! E eu disse: Não senhor, que eu não sei se o camarada me está ver, e ainda recua com o camião, e eu fico por baixo. Não vou, não, senhor agente. E o polícia disse: Até tem razão, sim senhor, que ele pode não estar a ver bem. Se calhar, “deve de ser melhor” ficar parado. E eu não “arrinquei”. Ter o direito não quer dizer que “póssamos”. Dito isto, concluída a sua tese com elevação, mostrou-se finalmente preocupado com questões menos transcendentes. Perguntou-me: O edifício para onde vai é à direita ou à esquerda? Lá disse. O taxista encolheu os ombros. Não é que interesse. Eu passo aqui todos os dias, e a senhora está a dizer e eu daqui a um minuto já não sei outra vez. Não interessa. O que interessa é que o edifício está lá, não é? Quando eu precisar, volto a perguntar. O que interessa é que ele está lá… (uma coerência de raciocínio sem igual! Um positivista!)
Caríssima Paula, além da graça, que é muita, fica uma pergunta: como é que o País pode desperdiçar talentos destes (falo do taxista, que o teu sempre vai tendo algum bom uso...)?
ResponderEliminarO número mais importante de Portugal é este: 35%. Só 35% dos jovens até aos 35 anos é que terminaram o liceu. Enquanto assim for, não haverá grande futuro para Portugal.
É verdade. E é muita pena. Porque mesmo onde estas conversas não passam de uma treta sem grande sentido ou finalidade, nota-se, na maior parte delas, uma percepção da lógica das coisas e da vida particularmente apurada. O que infelizmente falta a muitos dos nossos licenciados e governantes, e o que também me leva a lastimar que nem todos tenham as mesmas oportunidades...Quem sabe o que teria sido o "meu" taxista se tivesse tido a sorte de outra circunstância?
ResponderEliminarJá viu se os nossos economistas tivessem a competência das nossas mães e das nossas avós?
ResponderEliminarCriavam um rancho de filhos e poupavam sempre alguma coisa para dias mais duros!
Chama-se a isso sabedoria!Muito acima do conhecimento.
Sabedoria de vida.
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