A crise dos sistemas de segurança social é hoje um dado adquirido e assumido na maior parte das sociedades ocidentais - pese embora não se tratar de um problema exclusivo dessas mesmas sociedades, basta pensar nos países do Leste da Europa, Rússia em particular, ou na China.
Esta crise tem sem dúvida múltiplas origens e explicações, não devendo por isso mesmo ser simplificada com leveza. Todavia, cumpre reconhecer que muita e boa gente de há muito tempo que vem alertando para a bomba relógio que se aproximava. Porém, no caso português há algumas particularidades que importa salientar.
Em primeiro lugar, convém lembrar que ainda há pouco tempo o sistema era super-havitário, e que diversos governantes recorreram aos seus fundos, descapitalizando-os, para serviço das suas outras prioridades políticas. Não são inocentes.
Depois, cumpre salientar que diversos governantes concederam, reconheceram e atribuíram prerrogativas, privilégios e mordomias a diversos grupos sócio-profissionais, altamente gravosos da sustentabilidade do sistema, com total impunidade. Não são inocentes.
Acresce que entre esses grupos assim favorecidos, os políticos em geral e os ex-políticos em particular, beneficiaram e beneficiam excessivamente de direitos adquiridos que relevam do foro da expoliação e do locuplemento à custa alheia, praticamente sem qualquer escrutínio e sindicância dessa beneficiação espúria, muito por culpa e com a cumplicidade das direcções partidárias. Não são inocentes.
Mas também há que reconhecer que a sociedade em geral, isto é todos nós, nos deixamos enredar acéfalamente num sistema em que toda a gente considera natural que uma pessoa deixe de trabalhar aos cinquenta e poucos, acha desejável que qualquer pessoa se possa reformar por inteiro porque já trabalhou trinta e poucos anos, protege, apoia e compreende aqueles que recorrem a estratagemas para beneficiarem de pensões antes de tempo, fora de tempo e como complemento do rendimento familiar.
De forma algo onírica, tenho a sensação que pensamos que os baixos salários que usufruímos e a ineficiência geral do Estado são desculpas suficientes para justificar esses parcos e ilusórios benefícios. Também não somos inocentes. Sobretudo aqueles de nós que pertencem à elite objectiva do País, o que em Portugal significa grosso modo todos os licenciados; ou seja, todos os que tem instrumentos suficientes para compreenderem a imoralidade e a amoralidade do sistema instalado. Que mais não seja porque não nos empenhamos em combatê-lo, em denunciá-lo e em rectificá-lo. Com honrosas excepções que não servem para mais do que confirmar a regra.
O meu ponto é que a responsabilidade é de todos. E que há culpados da actual situação que continuam a beneficiar injustificadamente, portanto à custa alheia, dessa mesma situação.
Por outro lado, também queria destacar dois factos que não tem merecido a devida atenção; primeiro, quem hoje continua a defender sem compreender os tais direitos adquiridos, tem de ter consciência que, de uma maneira ou de outra, está a retirar esses direitos da boca dos próprios filhos, pois serão eles que terão de lidar com as consequências do que não for feito agora, que já é tarde.
Segundo, a inevitabilidade dos sistemas mistos - ou seja, da introdução de sistemas de capitalização - não é nenhuma panaceia que resolva todas as deficiências do sistema. Desde logo, porque não resolve o problema das desigualdades e iniquidades (no duplo sentido do britânico de inequality e do velho tradicional português) do sistema. Depois porque, sendo embora reconduzível ao tal liberalismo filosófico de que já falei, não é auto-suficiente, na medida em que depende das contribuições dos empregadores e depende de uma boa gestão financeira, que sendo sem dúvida um bom negócio não é necessariamente uma garantia para o interessado. Finalmente, porque não resultou onde foi aplicado - ou pelo menos não resultou sem gravissímos problemas, quer para as empresas quer para os beneficiários.
Por último mas não de somenos, queria reforçar a conclusão que já se adivinhará do que deixei anteriormente. Nós, a elite portuguesa, temos a responsabilidade de lidar com este problema agora. Temos a obrigação de apoiar toda e qualquer reforma que melhore o actual sistema. Mas temos também a responsabilidade de não nos contentarmos com reformas insuficientes. Temos o dever de perceber o que se está a passar e o que se irá passar. Temos o dever de compreender o que poderá diferir consoante os comportamentos que adoptarmos agora. Temos o dever de o explicar ao maior número possível de cidadãos. Temos o direito de exigir que se faça o que for necessário para assegurar o equilíbrio do sistema em moldes tais que não se ponha em causa a perenidade pacífica da Nação. Temos de estar preparados para aceitar a nossa quota parte de sacríficios e a obrigação de exigir, em nome da Nação, aos nossos dirigentes que assumam as suas próprias responsabilidades.
Eu começo por apelar ao nosso Parlamento, à falta de melhor interlocutor, que promova as diligências necessárias para encontrar consensualmente três cenários previsíveis da evolução demográfica nacional: o optimista, o pessimista e o realista (não se fazendo nada para alterar a actual situação). E depois, aos Partidos, à falta de melhor, para que apresentem as respectivas propostas para lidar com esses cenários com toda a clareza que lhes seja possível.
Deixo ainda um alerta: não dúvido que qualquer que seja a eventual solução destes problemas, ela passará sempre por uma decidida aposta na melhoria do sistema educativo e das qualificações profissionais dos portugueses. Sem cidadãos qualificados não há trabalhadores produtivos. Sem produtividade do trabalho não há melhores salários. Sem qualificação não há produtividade do capital. Sem produtividade total dos factores de produção não há melhoria das perspectivas dos sistemas de segurança social.
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