segunda-feira, outubro 02, 2006

Liberalismo e intervencionismo

No seu interessante artigo "O compromisso ultraliberal e a tibieza das respostas", do Público de hoje, o Prof. André Freire, procura situar o debate político entre direita e esquerda, reconduzindo-o a uma classificação de defesa de maior ou menor intervenção do Estado na vida dos cidadãos. Para além das considerações de cariz político que tece - nomeadamente para catalogar as recentes sugestões de correntes de pensamento que classifica de ultraliberais, como o "Compromisso Portugal" -, a lógica do artigo padece de um erro de base que cumpre esclarecer.

O Liberalismo é uma corrente de pensamento que, antes de ser uma doutrina económica, foi e é uma filosofia de compreensão do Ser Humano e, portanto, de explicação dos seus comportamentos. Nesse sentido, concluía que a melhor resposta para a maior parte dos problemas que se colocam ao indíviduo na sua existência é dar-lhe a liberdade de encontrar as soluções que se adequam à sua situação concreta. Naturalmente, responsabilizando-o pelas escolhas que faça e impondo-lhe as consequências dessas mesmas escolhas.

Uma das extrapolações possíveis desta filosofia é precisamente o liberalismo económico, no sentido em que decorre desta linha de pensamento a defesa da não intervenção ou da intervenção mínima do Estado na esfera económica. Ambas são defensáveis e ambas apresentam os seus argumentos próprios para sua defesa. Não cabe aqui defendê-los ou discuti-los.

Mas cumpre salientar que não são a mesma coisa. Assim, por exemplo, as posições que tenho defendido neste blog em relação aos assuntos sobre os quais tenho postado, são claramente, e por escolha, tributárias desse liberalismo filosófico de que sou grande adepto. Na minha interpretação desse liberalismo filosófico, acredito profundamente na capacidade dos indíviduos para encontrar as melhores respostas para os seus problemas, desde que e na condição de serem (e poderem ser) responsáveis e responsabilizados por essas mesmas escolhas. No Portugal concreto de hoje, isso signifca sobretudo e antes de mais nada descentralizar competências e capacidades decisórias. Nesse sentido, sou favorável e tenho procurado apoiar todas as soluções que aproximem os problemas dos seus principais interessados e lhes confiram as competências necessárias para tomarem as decisões que lhes pareçam concretamente mais adequadas. Repare-se que esta defesa não corresponde nem muito menos se identifica com o liberalismo económico que caracterizei anteriormente.

A razão para esta separação é, quanto a mim, essencialmente esta: estou convicto que a nossa consciência social colectiva exige hoje soluções que nem sempre serão estritamente reconduzíveis ao postulado da "mão invisível", isto é ao não intervencionismo puro e simples. Creio que isso não implica que não possamos encontrar para muitas dessas soluções mecanismos liberais de racionalização (ou mesmo recorrer, sempre que possível, aos princípios de funcionamento do mercado): por exemplo, ponderemos a situação das maternidades. Atento à realidade, o Governo entendeu reorganizar o quadro nacional das referidas maternidades e tomou as decisões consequentes. Admitindo que o Governo tem razão e que há de facto maternidades a mais - que mais não seja para efeitos deste debate - a crítica deve, na postura que escolhi, incidir sobre a forma centralizada e intervencionista através da qual o Estado chegou à solução do Governo. Creio que uma outra forma de organização do Estado possível, deveria permitir financiar o custo dos nascimentos, deixando a outros níveis dessa organização a decisão concreta sobre a manutenção ou não de maternidades, respeitadas que fossem condições mínimas legalmente impostas; por exemplo a nível distrital, ou a nível municipal, ou até a nível regional. Se acaso um qualquer desses níveis da administração não central decidisse manter a sua maternidade, financiando-a com os seus próprios meios, para além do que o financiamento dos nascimentos assegurasse, não ficaríamos todos a ganhar? Porque raio hão-de ser as decisões tomadas pelo centro limitativas das escolhas individuais e mesmo de diferentes níveis da organização colectiva? Apenas porque se pressupõe que são melhores? Basta ver os resultados da administração centralizada da saúde para concluir que não, não é por aí que melhoramos a qualidade de vida individual e colectiva.

O que me parece hoje em dia indefensável é precisamente essa visão de que o centro decide melhor do que as partes. E esse será porventura o maior desafio de uma esquerda que se pretenda moderna. Mas isso é problema deles...

Pela minha parte, limito-me a procurar defender o que entendo serem soluções que uma Direita Moderna deveria propôr. Foi nesse sentido que, já há alguns anos e nos locais que pareceram próprios, iniciei as minhas intervenções públicas, é nesse combate que tenho empregue o melhor dos meus esforços. Acredito que Portugal se poderia modernizar aceleradamente se fosse capaz de confiar nos Portugueses. Não apenas no discurso, mas sobretudo através das suas instituições. Descentralizando-as, antes de mais nada. Destruindo esta mentalidade acéfala de acreditar contra toda a evidência que o centro trabalha melhor para o maior bem de todos nós.

Voltarei recorrentemente a este tema, a propósito de todos os assuntos que me parecerem adequados.

PS. Deixo um último comentário para reconduzir ao seu lugar aqueles que tiveram oportunidade, nomeadamente através do meu humilde contributo, para promoverem uma verdadeira modernização da Direita, e não o fizeram, e agora se aproveitam dessa urgência para promoverem o seu renascimento político. Deus é grande e o Povo não é parvo.

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