O discurso de Bento XVI, excepcionalmente bem construído, vale por si só. Desde logo, por sublinhar o sentido transcendente que atribui à coincidência do contacto entre o pensamento helenístico e cristão. Coincidência, essa, que, para lá das evidências, não foi um dado adquirido, mas algo que se veio a construir, ao longo dos séculos, como o demonstra o pensamento de S. Agostinho ou S. Tomás de Aquino.
Na verdade, a histórica e feliz coincidência entre o legado Clássico e o Cristianismo, permitiu que Fé e Razão se iluminassem mutuamente, num fenómeno profícuo de recíproco enriquecimento e conhecimento. E esse caminho começou, precisamente, na estrada para Damasco. S. Paulo, deu o passo decisivo ao exortar para que a Boa Nova fosse difundida a todos os homens de boa vontade, e não se resumisse ao povo Judeu.
Ontem, como hoje, esta consciência universalista, não pode ser escamoteada. A Palavra, está muito para além das convenções, das culturas. Ela deve ser superior e fazer-se inteligível a cada ser humano. Deve descer – elevando-se – e tocar cada pessoa, independentemente das suas contingências.
Foi por isso que, o sucessor de Pedro, na sua sabedora eloquência, esqueceu-se do sábio legado de Paulo.
É verdade que fazia um discurso, eminentemente, académico. É verdade que a sua audiência - próxima - era, também ela, do meio académico. É verdade que foi um retorno à sua cátedra. É, sobretudo, verdade que houve um aproveitamento, espúrio, das suas palavras, por parte de quem não quis ouvir a sua verdadeira mensagem. É verdade que o comportamento das comunidades islâmicas é desproporcionado e irracional. É ainda mais verdade que o Fundamentalismo Islâmico manipulou a prelecção papal.
E, sobretudo, revolta, até, pensar que a opinião possa estar subjugada a um qualquer jugo. Que a nossa liberdade esteja condicionada. Até porque, tenho para mim, como verdade que (e há argumentos bastantes para ambos os lados) o Islão cresceu com a espada e o Cristianismo com a Palavra. Vou até mais longe. De facto, concordo com tudo o que o Papa disse que não disse. Porque, para mim, Bento XVI limitou-se a dizer o que, realmente, pensava. E pensa bem. É impossível que um intelectual de excepção, falando para uma plateia qualificada, não tenha o maior dos escrúpulos na escolha das suas palavras. E, já agora, na escolha dos exemplos que lança mão para ilustrar a sua ideia. Não é possível que as citações, do Imperador Manuel II, não lhe tenham reverberado outras insinuações que não as da razão versus fanatismo, da Fé versus crença. Ainda por cima, quando as palavras do interlocutor, o sábio Ibn Hazm, se limitam a descrever a verdadeira essência do Islão, ou seja, da impossibilidade de conhecimento de Deus e da sua vontade. Aqui não há divergência. Para o Islão a razão, o logos não pode ser iluminado pela Fé. Simplesmente porque a Razão não é reflexo do Bem ou de Deus. Logo é inócua qualquer relação de simbiose entre ambos os conceitos, Fé e Logos.
Ora, e apesar de tais afirmações não passarem de evidentes e ofuscantes constatações, Bento XVI, não as podia ter proferido. Porque devia e podia ter consciência do alcance das palavras. Porque a mensagem da qual é depositário é Universal. Não deve cindir, mas convergir. Unir. Ser o restolho de uma nova esperança, de uma nova Paz, iluminada pela Fé e pela Razão.A promessa de uma nova Jerusalém. Porque Alguém disse: Dou-vos um mandamento novo...
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