terça-feira, setembro 19, 2006

Religião e paz

A história do cristianismo é uma sucessão de violências: o Antigo Testamento – para além de algumas aberrações inclusivamente do foro do sexo – é um manancial; a história de Cristo na terra, e concomitantemente a dos primeiros cristãos até pelo menos ao século IV da nossa era – sendo o caso mais conhecido o da própria morte de Cristo; a sua imposição como religião de Estado no final do domínio de Roma, nomeadamente com a perseguição às religiões a partir de então consideradas pagãs; o ‘casamento’ entre os Estados feudais e o papado ao longo de séculos (que converteu o cristianismo em catolicismo, isto é, em religião universal); a muito conhecida epopeia das Cruzadas; a perseguição aos judeus, de que os reis Católicos de Espanha e a monarquia portuguesa foram pioneiros; a cristianização dos povos de África, da Ásia e das na altura recém-descobertas Américas (de que muito se queixou o contemporâneo espanhol, frei Bartolomeu de las Casas e, um pouco mais moderadamente, o ‘nosso’ Padre António Vieira); a guerra civil que ‘entreteve’ os papas de Roma e de Avignon (ambos auto-considerados católicos e apostólicos) por algumas décadas; a guerra religiosa contra os protestantes (também eles auto-denominados católicos) a partir do Concílio de Trento (1510), que teve como palco privilegiado a França e que culminou na Noite de S. Bartolomeu (24 de Agosto de 1572) em que milhares de protestantes franceses (os huguenotes) foram assassinados, tendo sido considerados novamente ‘perseguíveis’ pelo Édito de Nantes (Luís XIV, em 1685, isto é, ‘à boca’ do século das luzes); a muito propagandeada Inquisição; a perseguição e, quando possível, matança por séculos e séculos de tudo o que era denominado herético, cabendo aqui desde escritores de textos eróticos até cientistas (vide o caso de Galileu), mas principalmente de filósofos ‘não alinhados’ com a Bíblia; o apoio (ou, na melhor das hipóteses, a não oposição) a guerras e outras barbaridades cometidas na Europa por vários séculos – como são os casos mais óbvios da ligação intrínseca entre o czarado russo e a Igreja Ortodoxa, entre a pirataria holandesa e a Igreja Velho-Católica (protestante) dos Países Baixos, entre o Estado suíço e os Calvinistas, entre os desmandos colonialistas britânicos e a Igreja Protestante (que só esmoreceu já o século XX ia bem dentro da sua segunda metade), ou entre os Estados totalitários de Salazar e Franco e as suas respectivas igrejas; o miserável ‘fechar de olhos’ de Pio XII ao crescimento da importância do nazismo na Alemanha e depois em parte substancial da Europa; a oposição (quando muito não-declarada) a todos os movimentos de libertação das colónias europeias (sendo o acolhimento de alguns comandantes de guerrilhas africanas por parte de Paulo VI um episódio cuja excepção confirma a regra); a perseguição à chamada Teologia da Libertação (de que o actual papa foi um dos mais convictos autores); e o que muito mais aqui não fica dito, por esquecimento ou desconhecimento.
Do lado muçulmano, a história não parece ser muito mais abonatória: mal o Profeta fechava os olhos, sunitas e xiitas passaram a considerar-se mutuamente heréticos e a perseguir-se até ao último sangue, com os esmaelitas a ajudarem à festa e a corrente ideologicamente patrocinada por Omar (parente do Profeta), a única não-belicista, a perder rapidamente importância; durante as Cruzadas, uma inumerável quantidade de líderes militares muçulmanos (até califas e sultões) optou, quando isso servia os seus interesses particulares, por aliar-se aos invasores francos – no que foram devidamente industriados pelos Fatímidas egípcios; para além do que aqui fica não dito por óbvio desconhecimento, agora é o que se vai vendo.
Religião e paz???!!!! Alguém deve andar a brincar connosco.

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