Ontem estive lá!
Como cidadão e como portuense, tenho o direito de expressar a minha indignação.
Como político, tenho o dever de não me calar.
A decisão da Câmara Municipal do Porto de entregar a privados a gestão do Rivoli-Teatro Municipal constitui um acto político que me parece profundamente errado e com consequências graves para o presente e, sobretudo, para o futuro dos cidadãos do Porto.
E parece-me profundamente errado porque, em primeiro lugar, evidencia a ausência de uma estratégia ou, como se queira, de uma política cultural que a Câmara deveria reclamar como sua, e que neste sector se basearia na divulgação, no estímulo e no apoio da criação artística em todas as suas expressões, na tentativa de atingir públicos amplos e diversificados, na formação desses mesmos públicos e dos próprios artistas, enfim, essa política deveria prosseguir o desenvolvimento cultural do Município, e mesmo de toda uma região de que o Porto se reclama lugar central. É ao fomentar os intercâmbios nacionais e internacionais que se alargam os horizontes culturais e que se alcança o cosmopolitismo que faz a diferença com o provincianismo serôdio em que nos debatemos.
Em segundo lugar, parece-me que esta decisão deriva da não compreensão de um conceito básico, a distinção entre cultura e lazer. Ao entregar a gestão do Rivoli-Teatro Municipal a privados, a Câmara Municipal do Porto estará a transformar o mais importante equipamento cultural da cidade em mero pavilhão recreativo.
Comprendi que seria necessário fazer um esforço de contenção, sobretudo numa área a que se sobrepunham as prioridades da Habitação e da Coesão Social, mas a vida é feita de esperança, pelo que seria lógico supôr que melhores dias haveriam de vir, como se costuma dizer, e então seria tempo de retomar o investimento camarário numa área vital para o desenvolvimento das populações, a área da cultura. Assim como o corpo precisa de pão também o espírito necessita de alimento. De que valem todas as infra-estruturas, avenidas, Metro, redes de transportes, planos de urbanização e desenvolvimento, bairros sociais cuidados, escolas caiadas, etc, se não tivermos uma população com níveis culturais que lhe permitam fruir devidamente todas as vantagens do bem-estar?
É precisamente para ultrapassar o patamar do mero pavilhão recreativo que uma Autarquia necessita de um Teatro Municipal actuante, como o Rivoli pretende ser, apesar das difilculdades dos últimos anos.
E foi precisamente com estes objectivos que, com o saber e a reconhecida competência da Isabel Alves Costa, ancorados na fantástica equipa da Culturporto, se tentou manter o Rivoli de pé, às vezes cedendo no acessório, mas não transigindo no essencial: a qualidade. Dança, Teatro, Música, Ópera, Cinema, Vídeo, Fotografia, Novo-Circo, foram apostas que fizeram o Rivoli entrar nos hábitos do público portuense, complementadas pela abertura de uma livraria especializada nas artes do palco e pela edição dos Cadernos do Rivoli, em que se pretendia plasmar no papel a memória do efémero que decorria no seu interior. Marcos destes últimos anos foram os ciclos Capicua (comissariado pelo Eduardo Prado Coelho) e Pontapé de Saída (um cruzamento de olhares sobre o Futebol no ano do Euro 2004), apenas como um exemplo.
Mas ao entregar a gestão do Rivoli a privados, a Câmara Municipal do Porto vai ficar amputada do seu melhor instrumento de intervenção na vida cultural da cidade.
Dir-me-ão que não é essa a vocação de uma Câmara Municipal, que são competências da Administração Central, que esta decisão é uma questão ideológica.
A Lei nº 5-A/2002, que altera a Lei nº 169/99, ao estabelecer o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos orgãos dos municípios e das freguesias, consagra as competências no âmbito dos apoios que as Câmaras devem prestar a actividades de interesse municipal, entre as quais as de natureza cultural (Art. 64). É, portanto, a Cultura uma área que o Estado reconhece como de interesse municipal e, localmente, da competência da Câmara o seu apoio. Por isso não me parece colher o argumento da ausência de vocação. Será uma questão ideológica? Não me parece que a tranferência da gestão de um Teatro Municipal para privados seja apanágio social-democrata ou liberal. A Câmara não pretende mesmo intervir na vida cultural da Cidade? Demite-se?
Esta parece-me antes uma questão de vontade e de confusão de conceitos. Os privados, esses sim, não terão nunca qualquer obrigação no domínio da Cultura. Daí retirarão, sem qualquer dúvida, todos os benefícios que puderem. Essa é a sua vocação e esse o seu interesse. Que não é público, é privado.
Por isso, resta apenas encomendar um Requiem para o Rivoli!
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