terça-feira, julho 25, 2006

António Rodrigues Sampaio - II Centenário do Nascimento



Celebram-se, hoje, 200 anos sobre o nascimento de um dos maiores vultos do Liberalismo português de oitocentos. Como descendente de Rodrigues Sampaio (por via colateral - Rodrigues Sampaio não teve filhos) cumpre-me realçar o papel do jornalista ímpar, do político e parlamentar de excepção. E, acima de tudo, de uma personalidade controversa, polémica, revolucionária até, mas sempre coerente e fiel aos princípios e desígnios que o instruíam. Na verdade, não posso deixar de notar a falta de divulgação de um personagem cuja faceta de jornalista resistente foi e será sempre recordada como o denominador comum de um percurso marcado pela dedicação à Liberdade. Um exemplo inspirador para os dias de hoje. Curioso até referir que foi ele o primeiro presidente honorário da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses, fundada em sessão por si presidida e realizada a 10 de Junho de 1880 (aquando do III centenário da morte de Luís de Camões).
Sem querer, pois, cair na simples adulação ou elegia pura, é um facto que Rodrigues Sampaio foi um jornalista ímpar, além de um político e parlamentar de excepção. E, acima de tudo, foi uma personalidade controversa, polémica, revolucionária até, mas sempre coerente e fiel aos princípios e desígnios que o instruíam. No séc XIX o jornalismo era um instrumento, uma arma de divulgação de ideias e ideais, mais do que de notícias. Aliás, como profeticamente, já havia referido, em 1892, o jornalista francês Eugéne Dubief, que no séc. XX "o jornalismo estará tão aperfeiçoado que deixará de haver jornalismo", a função de um jornal como O Espectro ou Revolução de Setembro não eram as notícias pelas notícias, mas antes a opinião pela opinião. De facto, enfrentando os Cabrais e os poderes instituídos, muitos foram os aliciamentos de que foi objecto, mas a perenidade do seu empenho na causa Liberal nunca esmoreceu. Sem nunca promover o ataque ad hominem. Aliás, quando os seus correligionários lhe solicitaram que pusesse em causa a dignidade e honradez da Rainha e da Corte, negou-se terminantemente. Escrevendo que um antro de corrupção política não faria da Corte um lugar de devassidão moral.
É esta postura de grande escrúpulo por um lado e por outro de um incansável defensor dos valores que acolheu, que lhe concede o lugar que conquistou na nossa História.
Aqui fica uma breve nota biográfica, sempre pobre no seu carácter sucinto::

Rodrigues Sampaio nasceu em Esposende, a 25 de Julho de 1806. Fez os seus estudos, tendo terminado o então chamado curso de humanidades em Braga. É ainda cedo que se envolve na defesa das ideias Liberais, contra os partidários do Absolutismo Miguelista, pugnando pela defesa da Carta Constitucional. Sofre o primeiro revés como neófito da coisa pública, e é preso, em 1828, tendo sido levado para o Aljube de Braga, sendo depois transferido o do Porto. Aí ficou até 21 de Abril de 1831. Neste seu exílio forçado, conheceu outros grandes partidários da causa, gente de inegável valor intelectual, que muito o terá influenciado na forja do seu espírito. Entre os quais o P. Inácio José de Macedo, redactor do Velho Liberal do Douro, jornal que se distribuía no Porto, por estes anos, e onde Rodrigues Sampaio deu os primeiros passos no Jornalismo.
Será, no entanto, a 8 de Julho do ano de 1832, quando o exército liberal desembarca nas praias de Pampolide (e não do Mindelo), marchando vitorioso sobre o Porto que Rodrigues Sampaio se abalança e alista no regimento de voluntários da rainha. Combatendo nas hostes liberais até ao fim da campanha. Tal préstimo fez-lhe granjear algum reconhecimento e entrou para a redacção da Vedeta da Liberdade, jornal publicado no Porto em 1835. Devido às traduções da imprensa estrangeira, aí tomou contacto com muitas das correntes que, no tempo, atravessavam a Europa. Por essa altura, António Rodrigues Sampaio, alista-se no partido progressista. Com o triunfo da revolução de Setembro de 1836, em que o partido cartista foi derrubado, Sampaio foi nomeado secretario geral do distrito de Bragança, cargo que desempenhou até 1839, ano em que, sendo ministro Júlio Gomes da Silva Sanches, foi transferido para Castelo Branco como administrador geral (governador civil), cargo que exerceu com superior competência e notável energia.
Depois de algumas vicissitudes com a edilidade albicastrense, Rodrigues Sampaio veio para Lisboa e foi logo convidado por José Estevão de Magalhães, para colaborar na Revolução de Setembro. Jormal do qual ficará responsável e redactor-principal em 1842. Desde então ficou conhecido pelo Sampaio da Revolução, cognome muito honroso para o jornalista. Entrava-se num período terrível de luta política interna. 0 governo continuava no caminho da restauração da Carta Constitucional, que a imprensa liberal combatia tenazmente. E, as perseguições não se fizeram esperar, desde logo com a publicação de uma lei, extremamente restritiva contra a imprensa. De facto, o governo indómito de Costa Cabral, chefe do partido cartista, era implacável na prossecução dos seus objectivos.
Foi nestes tempos conturbados que o carácter de Rodrigues Sampaio se manifestou. Nomeadamente, a luta travada entre ele e o governador civil, José Bernardo da Silva Cabral, que pretendia obstar à publicação do jornal. Contra tudo e todos, e apesar da intimação feita, a Revolução de Setembro não deixou de sair. Os distribuidores foram presos, a tipografia foi sequestrada, as portas fechadas e seladas, mas o jornal continuou sempre a ser publicado, pois era impresso numa tipografia clandestina. Apesar da perseguição policial, das contínuas vigilâncias durante 11 meses e 4 dias ninguém pôde saber onde se imprimia e se compunha o jornal, nem onde se poderia encontrar os seus redactores. O Ministro dos Estrangeiros, Conde de Castro, proibiu expressamente o correio de expedir o jornal para as províncias, todavia, o mesmo, continuava a aparecer em todas elas. Tendo tal perseguição acabado com a decisão dos tribunais a favor da Revolução de Setembro, que desde então deixou de ser publicada clandestinamente.
Já nessa altura António Rodrigues Sampaio era considerado o primeiro escritor político do país, no entanto avizinhavam-se períodos de grande agitação. Sampaio acabaria por ser, uma vez mais, encerrado no Limoeiro em 1846. Seria libertado, pouco depois. Dando-se em 6 de Outubro desse ano novo golpe de estado, a Patuleia. Mais uma vez a clandestinidade espreitava. Surgiu então o Espectro, jornal mítico cujas reverberações ainda se fazem sentir, como foi exemplo o blog homónimo de Pulido Valente e Constança Cunha e Sá. Foi dado à estampa, o primeiro número, em 16 de Dezembro de 1846, durando até 13 de Julho de 1847, sendo totalmente redigido por Sampaio. 0 Espectro era uma pequena folha de 4 páginas, sendo o mais revolucionário, mas também o mais bem escrito jornal, que por aqueles tempos se publicava. Foi com este jornal que Sampaio se consagrou como jornalista. Publicado clandestinamente, tornou-se lendário pelas circunstâncias extraordinárias e quase misteriosas que acompanhavam o aparecimento e distribuição do jornal. Sobretudo pelo empenho do Governo em aplacar e silenciar o ubíquo escriba e implacável inimigo que, em cada número, conquistava novas adesões e simpatias. O país reconhecia o homem que tanto expunha a sua cabeça por causa da liberdade política dos seus concidadãos. Na verdade, era aparentemente inexplicável a forma como o Espectro se distribuía em Lisboa e nas províncias. O jornal era omnipresente, fosse nos ministérios, nos teatros, nos cafés, nas ruas, nos passeios. Na verdade, todas as noites mudava de tipografia. Escrito numa linguagem violenta e agressiva, o Espectro foi o demolidor terrível da tirania, que então oprimia a nação. Terminada a guerra civil com a convenção de Gramido, em 30 de Junho de 1847, Sampaio voltou a ocupar o seu lugar na Revolução de Setembro, onde sempre se conservou até falecer.


Rodrigues Sampaio mestre de escola do seu executivo, por Raphael Bordallo Pinheiro (Via Semiramis)

Com o alvorecer do novo período político da nação, a Regeneração, Rodrigues Sampaio passou a ser uma das sua mais dedicadas e proeminentes figuras políticas. Em 1851 foi eleito, pela primeira vez deputado por Lisboa, tendo sido reeleito em quase todas as legislaturas até 1858. Em de 26 de Setembro de 1859 foi António Rodrigues Sampaio despachado conselheiro do Tribunal de Contas.
Mais tarde, e nomeado pela primeira vez aos conselhos da coroa, fazendo parte do ministério organizado pelo Marechal Saldanha, encarregando-se da pasta do reino (Administração Interna). Porém, o seu cargo durou apenas 12 dias, principiando a 26 de Maio e terminando a 7 de Junho, tendo-se demitido por não concordar com a direcção que Saldanha. Discordava do cariz autoritário com que o Marechal exercia o seu magistério, o que muito repugnava os seus princípios liberais. Em 13 de Setembro de 1871, foi chamado ao poder o partido regenerador com a presidência de Fontes Pereira de Mello. Rodrigues Sampaio tornou-se ministro do reino, conservando-se no ministério até 5 de Março de 1877. Como ministro não teve a energia do jornalista, mas manifestou sempre as tendenências mais liberais, e um grande zelo e empenho com a Educação e a organização administrativa do Estado. A ele se devem as reformas que já havia advogado como sócio e presidente do Centro Promotor dos melhoramentos das classes laboriosas, apresentando o primeiro projecto de lei sobre a reforma da instrução primária. Relembremos a propósito as suas palavras : “Esta desgraça (a falta de escola e alunos), que em assuntos de instrução nacional, é uma calamidade pública mais terrível pela sua permanência que as revoluções do mundo físico, procedeu de se não haver compreendido que, para se desenvolver e prosperar, a instrução elementar absolutamente precisa da iniciativa local; sendo a gerência do estado ineficaz para a difusão da instrução primária que carece do meio que lhe é próprio e só se expande com o concurso unânime de todos os cidadãos.”. Por este curto excerto se distingue o claro empenho na promoção da instrução a todos os cidadãos e a defesa desta articulação descentralizadamente, ou seja, arredada da alçada da administração central (afinal os nosso problemas são bem mais antigos do que muitas vezes supomos). Mais tarde, em 29 de Janeiro de 1878, entrou mais uma vez para a pasta do reino, conservando-se até 1 de Junho de 1879. Por esta altura, já tinha assento na câmara hereditária, como par do reino. FOI neste seu consulado que conseguiu fazer passar, em ambas as câmaras do parlamento, duas leis importantes, a da Reforma da Instrução Primária, de 2 de Maio de 1878, e o novo Código Administrativo. Em 1881, tendo-se demitido o ministério progressista, foi António Rodrigues Sampaio chamado a organizar gabinete, recebendo a Presidência do Conselho de Ministros, ficando também com a pasta do reino a seu cargo. Este novo executivo, por si presidido, entrou em funções a 25 de Março, todavia, a 11 de Novembro do mesmo ano de 1881 Fontes Pereira de Mello substituiu Rodrigues Sampaio, que se retirou então da vida pública, por motivos de saúde. Pelo que passado um ano, em Setembro de 1882, veio a falecer, em Sintra.
Rodrigues Sampaio foi, pois, uma personalidade ímpar, um homem bem à frente do seu tempo. Um jornalista de causas, não de notícias, como o era o jornalismo do séc. XIX, um parlamentar e um político entregue à causa pública, com denodo e nobreza. O registo das suas intervenções, parte do qual irá ser publicado em breve, é bem o testemunho de um homem cuja verticalidade e honradez nunca soçobraram.

Sem comentários:

Enviar um comentário