quarta-feira, maio 10, 2006

Crónica de um malandro

Cheguei ontem de um Congresso político que durou dois dias, várias horas e demasiado tempo. Estive quinze anos a lutar contra mim: filiação ou não, eis a questão! Com mais convicção do que fraqueza, venci as minhas resistências e lá passei a militar no CDS/PP. Juntei-me, pois, aos «malandros» que o politicamente correcto vê fora da independência, esta sendo o estado perfeito do cidadão credível e trabalhador. E fui ao Congresso.
Um Congresso é um palco. Um espectáculo. Um jogo. Há vários actores: ausentes e presentes. Há estratégias. “Moções”. Vemos um Congresso passar diante de nós, como quem vê um filme desenrolar-se pelo nosso voto: você decide! Temos a ilusão que decidimos – e decidimos -, mas somos também induzidos à decisão.
Um Congresso joga-se no momento. Como um jogo que nunca sabemos como acabará: cada cartada, cada palavra, cada aliança pode decidir uma vitória ou uma derrota, pode reunir o aplauso ou determinar a oposição.
Para vencer não basta estar certo, acertar a estratégia, alcançar as alianças convenientes. É preciso ser vencedor, no rosto, na tranquilidade, na voz e até na forma física. E na capacidade de jogar em equipa.
Confesso que fiquei muito surpreendido. A minha percepção era de que estas reuniões eram sobretudo mediáticas, pré-definidas, encenações já redigidas e apenas melhor ou pior interpretadas. Também houve outra surpresa: os delegados não são sempre ou maioritariamente uns «yes’ men» vergados a subserviências políticas e cumplicidades de interesses. O voto decide-se ali e muitos há que vão para ouvir: o seu sentido de voto pode variar, definir-se ou mesmo alterar-se.
Vamos ao Congresso da Batalha e aos seus intervenientes.
Ribeiro e Castro ganhou. Investiu e ganhou. Teve um Congresso de confronto. Nunca se tinha visto em Portugal um líder de um Partido ser tão duramente questionado pelos seus pares, nem nunca se tinha visto militantes de um Partido serem tão disciplinados na crítica à autoridade do líder e do Congresso. Contados os votos, Ribeiro e Castro ganhou. Considerar que Ribeiro e Castro ganhou por pouco é ignorar a natureza de confronto que foi manifesta na reunião. Ganham-se Congressos por 60% ou 70% quando não há oposição de força. Ganhar um Congresso contra, manifestamente contra, muitas das pessoas mais mediáticas do Partido não tem outro nome: é uma vitória. Seria vitória se fosse por 1 voto. É uma grande vitória se é por 15 ou 16%. Por outro lado, desvalorizar a vitória por ter sido contra João Almeida, o jovem estudante da JP, é acompanhar o Congresso pela Televisão. Quem lá esteve, sabe que Ribeiro e Castro ganhou de novo a Telmo Correia e apesar de Pires de Lima ter indiciado que estaria disponível para não deixar um «vazio no poder» caso João Almeida ganhasse.
Pires de Lima ganhou porque não podia perder. Se fosse possível ganhar o Totoloto sem jogar ou comprar uma aposta, ter um 3 já é uma vitória. Pires de Lima não teve um 6. É discutível se teve um 5. Mas teve seguramente um 4. Não investiu uma moção, nunca seria chamuscado, ainda leva uns dividendos para casa. Graças à sua inteligência e estratégica aliança com João Almeida, se quiser daqui a 2 anos, tem capital para investir. O maior capital foi a aliança com a Juventude Popular ou, pelo menos, com uma parte substancial desta.
A Juventude Popular ganhou e perdeu. Ganhou porque conseguiu que uma moção subscrita pelo seu líder – ainda que não fosse uma moção da JP - contra o líder do Partido tivesse credibilidade junto dos Congressistas e reunisse a adesão de nomes de peso do Partido. Não sei se João Almeida tem credibilidade junto do País e se em qualquer votação a nível nacional ou local mereceria, por si, o voto de mais de 100 portugueses. Mas no Congresso falou bem, distanciou-se do Pai/Partido, ganhou maturidade e reuniu o apoio de 42% dos Congressistas. Aparentemente, alguns subscritores da moção foram instrumentalizados. Por dentro e por fora. Muitos acreditaram que aquela moção tinha uma missão construtiva de contribuição para o debate – falei com alguns e era isso que me diziam: «não queremos ser contra Ribeiro e Castro, nem a favor dos seus opositores, apenas contribuir para o debate de ideias do Partido». Era como se fosse possível entrar em campo e dizer que só se quer jogar futebol para contribuir para o desporto. Nada mais ingénuo! Ali havia dois lados e como sempre ou se está num ou noutro. Não se pode jogar e não estar em lado nenhum. Por isso, a vitória da moção «Por um Futuro melhor» pode ter sido mais de João Almeida do que da JP. No futuro, talvez se tenha comprometido a maturidade, credibilidade e independência da JP face ao Partido. Na ordem inversa de João Almeida.
Num Congresso em que tantos ganham, tem que se perguntar: afinal quem perdeu? Terá havido algum perdedor? E a resposta encontra-se nos jornais e nas pessoas com quem me cruzo: Sim. O Partido. O CDS/PP é o grande derrotado do Congresso. A sua credibilidade e a sua afirmação junto dos portugueses saem diminuídas. O eleitorado de Direita, que é o do CDS/PP, gosta de disciplina, autoridade, certeza. E o CDS/PP depois deste Congresso é tudo menos isso. Paira uma grande incerteza sobre o Partido e enquanto não for removida, a sua afirmação terá que aguardar. Todos sabemos: «nenhum Reino poderá sobreviver dividido contra si próprio». No final do Congresso, todos manifestaram que serão unidos e congregarão esforços pelo Partido. Dessa vitória, depende o futuro do CDS/PP. E para acontecer, é preciso alguém perder.
O sentimento de quem sempre esteve longe e agora pôde participar é dividido. Valeu a pena, ao fim de tantos anos, filiar-se finalmente e apostar no CDS/PP, um partido minoritário e residual na cena política? A resposta segue dentro de momentos. Entre o fascínio e a reverência, o deslumbramento e o cansaço (cansaço em muito imputável à medíocre condução dos trabalhos pela Mesa do Congresso) a resposta terá que vir do Partido, dos seus intervenientes e, com acrescida responsabilidade, por todos aqueles que têm capacidade e poder para determinar o seu Futuro.


Filipe Anacoreta Correia

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