terça-feira, maio 02, 2006

Congressos e futuros III

Flexibilidade e criatividade.

Não se pode afirmar que estes sejam conceitos que vemos reflectidos nas nossas actuais instituições. Muito pelo contrário, a evocação destes conceitos pode até lembrar-nos algumas empresas, alguns indivíduos, mas seguramente que não nos incute a ideia de que representam o País. Em grande parte, essa inexistência decorre do centralismo que tem caracterizado as soluções institucionais do País. O que implica que as soluções que devemos procurar não poderão ser marcadas por esse mesmo centralismo.

As soluções flexíveis de que o País precisará terão necessariamente de provir duma destruição do actual centralismo - que, em boa verdade, apenas tem beneficiado os defeitos do sistema: excesso de influência dos partidos, promiscuidade entre poder económico e político, protecção de privilégios, excesso de importância dos participantes do sistema (em particular dos dependentes/beneficiários da centralidade do poder, como os professores, os agentes do sistema de saúde, etc.), redução do leque de opções estruturais debatidas e analisadas pelo poder, etc, etc, etc...

O que, em princípio, só deveria alegrar os cidadãos da direita democrática, crentes de que o Estado, para além das tradicionais funções de soberania, se deveria concentrar em fazer apenas o que não pode ou não quer ser feito pela sociedade civil, ou seja, que se deve reservar a si próprio uma postura subsidiária em relação à iniciativa civil - privada, colectiva, cooperativa ou outra. De qualquer modo, a flexibilidade que a realidade exigirá, no que respeita ao sistema político, virá necessariamente de soluções anti-centralistas na sua concepção e funcionamento.

Incluindo em sistemas que deverão manter uma estrutura centralizada. No futuro a organização dos sistemas do Estado deve-se orientar por um princípio de proximidade, traduzido em soluções de simplicidade de funcionamento e eficiência de utilização dos recursos. Idealmente, os cidadãos deveriam contactar com o Estado apenas na sua junta de freguesia, para usar a terminologia corrente, fossem quais fossem os assuntos a tratar. Isto é, as juntas de freguesia deveriam ser reequacionadas à imagem da função atendimento das actuais lojas do cidadão. O que, possivelmente, implica uma reorganização do mapa das freguesias do país e provavelmente a distinção entre freguesias urbanas e rurais.

Se pretendemos um Estado parceiro dos cidadãos, cúmplice do exercício da livre iniciativa, responsabilizante dos indivíduos, das famílias e das empresas, a primeira obrigação que lhe temos de atribuir é a de utilizar as tecnologias disponíveis para simplificar a relação dos cidadãos com o mesmo Estado, em particular no que respeita ao contacto entre uns e outro. Nada obsta a que as declarações de impostos sejam entregues numa junta de freguesia, assim como nada obsta a que as mesmas declarações sejam posteriormente encaminhadas para um serviço centralizado de impostos, porventura numa cidade mais barata do que a capital, onde as ditas declarações sejam processadas e eventualmente corrigidas para posterior tratamento ou devolução. Apenas se acrescenta ao estado actual das coisas uma maior simplicidade e proximidade da relação fiscal do cidadão com o Estado.

Obviamente, uma reorganização do Estado deste tipo não se deveria esgotar na simplificação e busca de eficiência apontadas. Deveria ainda procurar aproximar as competências e as funções dos centros de verificação dos problemas que a sua existência visa resolver: no essencial, do bairro onde as pessoas vivem, depois da sua cidade e assim por diante. É assim para os cuidados primários de saúde, para a educação pré-escolar e escolar, pelo menos no ensino básico, para a segurança, para a Justiça, enfim, para concretizar a relação em sociedade do cidadão e aproximá-lo, responsabilizando-o, dos instrumentos colectivos de exercício das funções de co-existência e de solidariedade. Por aí se conseguiria seguramente uma maior participação e uma menor indiferença entre os cidadãos e o sistema político.

Paralelamente, uma reorganização do Estado do tipo sugerido, deveria ser acompanhada por uma adaptação consequente do que chamaremos a função processamento das questões do relacionamento dos cidadãos com o Estado. Esta função processamento deverá não só permanecer centralizada, como até aperfeiçoar esse centralismo numa busca de eficiências acrescidas. Só a centralização dos serviços de processamento permite rentabilizar os recursos a dispender com essas funções em moldes compatíveis com as técnicas, tecnologias e conhecimentos actualmente disponíveis - qualquer burocracia moderna, privada ou pública, rentabiliza os seus recursos separando entre estas duas funções: o atendimento (personalizado, próximo) e o processamento (eficaz, célere, eficiente, concentrado). Não apenas para simplificar a relação do cidadão com o Estado, mas também para promover uma melhor afectação dos recursos disponibilizados pela colectividade para resolver problemas comuns.

Um movimento deste tipo, deveria repetir-se nos demais níveis de administração: municípios, regiões e País. Sempre no sentido da maior flexibilidade: isto é, contra o actual centralismo.

O que coloca ao partido um desafio da maior importância: será fácil ou até parecerá popular combater desconhecidos projectos regionalizantes. Mas não é coerente com os sinais dos tempos, nem realista perante a ineficiência actual do sistema político, nem muito menos correspondente ao anseio actual dos cidadãos de que se mudem as condições que conduziram o País ao actual atoleiro. Desde logo e antes de mais moral: eles já provaram que se governam mas raramente nos governam; resta-nos assumirmos as competências que não lhes queremos mais atribuir; resta-nos descentralizar efectivamente o exercício das funções do Estado. Resta-nos procurar numa reorganização do sistema político a flexibilidade de que as nossas vidas precisam. Antes de mais nada democratizando os actuais centros de poder regional, vulgo comissões de coordenação. Depois adequando essas estruturas ao exercício dos poderes que melhor poderão ser executados nesse nível do que no pantanal do Terreiro do Paço. Sempre descentralizando. Sempre flexibilizando. Sempre conferindo maior autonomia aos cidadãos, às famílias e às empresas.

Sem medos e sem tibiezas. Sem comparações oportunistas: o regionalismo de natureza nacional de Espanha não tem paralelo no "Estado Nação Perfeito" com que já se descreveu Portugal. O que significa que a eventual regionalização no nosso País nunca será uma resposta a um problema político, mas antes uma resposta do sistema político aos problemas da sua própria ineficiência. Cinicamente, poderiamos afirmar que não há melhor forma de destruir a actual promiscuidade entre o poder político e económico, decorrente do excesso de preponderância das máquinas partidárias, do que replicar esses mecanismos em quantidades suficientes para que a sua própria dinâmica os ponha em permanente combate entre uns e outros. Em melhor português, mas no mesmo registo cínico: que melhor contributo para o debate político poderíamos encontrar do que a multiplicação de responsáveis políticos forçados a criticarem-se mutuamente e a disputarem interessadamente as mesmas competências. Multipliquem-se os centros de poder, obter-se-á, a curto prazo, maior debate e, a médio prazo, maior eficiência política. Para não voltar a repetir o ponto de partida: maior flexibilidade. É caro? Não, meus amigos, é até barato... basta pensar nas Ota's e nos TGV's com que o Terreiro do Paço nos continua a pretender enganar. Pior, não o fazer é adiar soluções inevitáveis, que a realidade dos modelos de vida que se aproximam rapidamente nos irá impor.

Mais ainda: é não compreender que para mal já basta assim.

Outra dimensão inevitável da maior flexibilidade que a vida de amanhã nos vai exigir é a da relação fiscal entre cidadãos e Estado. Segue em próximo blog.

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