quarta-feira, abril 19, 2006

Ventos fortes de mudança II

Deter ou construir um projecto de poder, que não se esgote nas vontades individuais de protagonismo, depende essencialmente de dois factores: um conhecimento adequado das principais marcas da realidade que se pretende transformar com esse projecto e uma apreensão suficiente das principais forças transformadoras dessa realidade que estejam em jogo e sobre as quais se pretenda influir.

Feita essa avaliação, o que implica juízo político - ou seja, a escolha das variáveis que se consideram relevantes e que dependerão da escala de valores que se quer afirmar -, será essencial adequar os instrumentos de intervenção disponíveis. A começar, em democracia, pelos partidos políticos.

Numa palavra, um partido político tem de ser um repositório de uma visão do País e do seu futuro.

Essa visão, naturalmente, contruir-se-à através do diálogo entre os membros desse partido, nos locais próprios e nos momentos próprios. Salvo melhor opinião, é para isso que se fazem congressos partidários. Reconheço que parte desse debate passa pela escolha das técnicas comunicacionais a utilizar e dos intérpretes das mensagens que se pretende comunicar. Mas nenhum congresso se pode esgotar nesse exercício, sob pena de transmitir, como mensagem principal do partido que o organiza, apenas uma forma sofisticada e cara de brincar ao jogo das cadeiras.

Ora, a realidade actual do País e as principais forças sociais em movimento são demasiado sérias para que o próximo congresso do CDS se possa esgotar nesse exercício fútil. Quem não o compreender não tem condições para ajudar o País e o Partido. Na realidade, o jogo prevísivel da adaptação à próxima realidade energética do mundo, às transformações demográficas em curso e às tensões que a inadaptação dos actuais sistemas económicos e sociais irão provocar, conferem uma urgência inadiável a estas questões. Acresce que o País perdeu demasiado tempo e oportunidades nas últimas décadas, para se poder dar ao luxo de não antecipar rapidamente as profundas adaptações que serão inevitáveis.

Não podemos continuar a pensar que a mera resolução do drama da despesa pública irá adaptar o País ao futuro que se adivinha. As etapas que o País precisa de queimar para poder ultrapassar a actual perificidade e o risco da sua aceleração, irão exigir de todos nós esforços que serão sempre tanto maiores quanto mais tarde forem assumidos.

O País não pode continuar a desbaratar esforços entre uma elite bem pensante que procura soluções ideais e impraticáveis e um corpo social maioritariamente alienado dessa ilusão, preso a uma realidade que não se adapta nem encaixa nessa fantasia, e, por isso, cada vez mais conformado à incompreensão entre as duas partes do todo.

Na perspectiva partidária - no sentido de uma organização que toma partido - a principal contribuição que podemos dar, nós os democratas-cristãos, é a da criação de pontes entre as duas realidades e a da afirmação dos valores que queremos impor como marcas das transformações que se aproximam. O partido tem de ser palco das vozes do corpo social e tem de ser fórum do debate desses valores. E isso deveria acontecer no congresso.

Além disto, convém ter presente que o País pode não concordar com todas as opções que o actual Governo está a fazer, mas seguramente lhe reconhece o mérito de estar a romper com uma prática que se vinha generalizando de resumir a governação à gestão do presente e aos exercícios mais ou menos bem intencionados da modificação da superestrutura legal e administrativa sem qualquer ligação com a realidade (salvo raríssimas excepções). Esta consciência é fundamental para compreender que o Governo precisa de uma oposição nova - capaz de aceitar a legitimidade de quem foi eleito para fazer escolhas, de propor alternativas quando não concorde com essas escolhas e, sobretudo, de promover propondo aperfeiçoamentos a essas escolhas que as influenciem no sentido de as aproximar da visão e do projecto de poder que o partido na oposição detem.

Não faltam exemplos práticos para representar o que aqui fica escrito. Limitar-me-ei a lembrar o sistema de ensino. Na sociedade que se espera que o País venha a construir, cada vez mais o tipo de empregos que estarão disponíveis dependerão de níveis mais elevados de competências individuais. Não apenas nos últimos graus de especialização - os cursos pós-universitários, a investigação e a gestão - mas a todos os níveis de qualificação. Sob pena de não poder haver flexibilidade no mercado de trabalho. Sob pena de o País não conseguir criar riqueza suficiente para fazer face às suas necessidades - o que implica mais empregos mais qualificados, mais produtividade e menos encolhos administrativos (os popularizados custos de contexto) à actuação das famílias, dos cidadãos e das empresas.

Ora, o sistema de ensino tem de ser o principal agente desta adaptação. Não através de mecanismos muito aperfeiçoados teoricamente e decididos centralmente, mas pouco congruentes com a realidade, mas através de uma flexibilidade que só poderá vir, com a rapidez necessária, de uma descentralização criadora de concorrência e de uma co-responsabilização de todos os agentes, a começar pelas famílias, passando pelas autarquias e corpos docentes e acabando da apropriação dos próprios destinos pelos cidadãos estudantes. O País não pode continuar a desbaratar o seu principal recurso: os seus cidadãos (nem muito menos a aceitar indolentemente que continuem a emigrar para encontrar as respostas que o País não dá).

Serve tudo quanto antecede apenas para chegar ao ponto que hoje quis relevar: o congresso pode ter sido inoportuno no momento em que foi decidido. Mas não pode deixar de ser transformado numa oportunidade agora que está decidido. Para debater o que interessa e para preparar o que aí vem. Quem tiver opinião sobre estas duas questões, que dê a cara e a voz.

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