A questão da Ética Republicana, tem vários contornos, todos eles com contingências específicas.
Refere-se por “ética”, do grego “ethos”, aquele conjunto de valores que norteiam o comportamento de uma comunidade, da polis. Na Antiguidade Clássica, a distinção entre Ética, Moral individual e Direito não era algo com claros e precisos contornos. Só com o alvorecer da Modernidade e do conceito de Estado é que tal separação se faz com clareza. O Ocidente, passou por um longo período em que a separação do poder temporal e espiritual foi sendo feita, e só com a assunção do paradigma da laicidade do Estado, é que a distinção entre ética e os demais conceitos, se vem a esclarecer. Aliás, todo movimento da Reforma, nomeadamente com Henrique VIII, é o irromper da maioridade do Estado, no sentido de poder temporal, sobre o báculo da Igreja: a Deus o que é de Deus, a César o que é de César / Cidade de Deus versus Cidade dos Homens. Com o alvorecer do Liberalismo oitocentista, surgiu uma nova perspectiva, a da moral individual (evidentemente, tributária da tradição judaico-cristã). Na verdade, a própria noção de pecado e culpa, de virtude, com os contornos que hoje encontramos, é fruto de uma mentalidade burguesa, no sentido em que isso manifesta uma preocupação eminentemente determinada pela individualidade. É durante o séc. XIX que se aprofunda e se estabelece, também, a noção e a distinção, no comportamento de cada indivíduo, de um quadro de valores que não tinham necessariamente que ver com os ditames da moral cristã. Facto que, igualmente, se aplica à esfera pública, uma vez que o Rei já não é o Estado, nem o seu poder é divino. O Homem Ocidental vê-se, por isso, forçado a encontrar uma metajustificação-legitimação para os seus actos. Estava arredada a facilidade da teleologia dos actos humanos na esfera do religioso. O homem encontra-se só consigo mesmo. Condenado pela sua própria Liberdade.
Em termos de comportamento cívico, esta necessidade de auto-justificação dos comportamentos públicos, é que nos leva à Ética Republicana. A afronta do Jusnaturalismo, mesmo aquele que radica a sua essência no encontro de arquétipos unicamente ligados ao homem, esconjurado pelo jacobinismo mais larvar, demandou a busca por uma moldura de referências normativas. Daí ao Positivismo, como é evidente, foi um passo.
Donde, se por uma banda, esta ética da coisa pública, surge por necessidade de legitimação face ao asseptismo religioso. Por outro lado, foi, também, uma necessidade construída por antítese à falta de virtude dos regimes políticos então vigentes, maxime, em Portugal, a Monarquia.
Esta Ética, curiosamente sempre na boca da Esquerda, é mais um exemplo da arrogância cultural de uma certa pseudo-intelectualidade. Todo o argumentário ético da república não é mais do que a defesa dos valores basilares partilhados por qualquer pessoa bem formada. Defesa dos Direitos Humanos, da virtude no exercício dos cargos públicos, do sentido da fidelidade ao interesse público versus os lobbys ou interesses particulares, do espírito de serviço e respeito pela lei contra a arbitrariedade casuística.
Ora, vem tudo isto a propósito dos posts dos restantes Nortadas e, claro está de Pina Moura. Diz o homem que: “Para mim a ética da República é a ética da lei”. Nesta frase está condensado muito do pensamento do “homo contemporaneus”. A nota distintiva, desta nova espécie endémica dos dias que correm, é o politicamente correcto. Não importa a substancialidade das questões, importa a formalidade com que elas são apresentadas. Ora isto é de um positivismo aviltante. Mais, é o paradigma do sofisma. E Pina Moura, um ex-comunista arrependido, ex-super Ministro das Finanças e Economia, past e present –deputado (leia-se António Barreto, Público de Domingo) para se furtar ao indefensável, vem socorrer-se de uma moleta retórica. E, assim, invocando a lei, faz tábua rasa de qualquer noção de ética, para defraudar essa mesma lei. Por muito que tenha guardado o período de nojo de três anos (legalmente previsto), relativamente a profissões que tenham a ver com os cargos políticos desempenhados, o certo é que tal não foi bastante para defender a honra da República. Que, deste modo, não tem como se defender de outras éticas. E é por isso que o comportamento de Pina Moura, é mais perverso do que aparentemente possa parecer. A falta de escrúpulo e o bafio a oportunismo que se levantam desta questão, vêm confirmar e dar razão ao velho anátema que se abate sobre a nossa classe política. Uma coisa é certa, com uma moral destas não há República que resista…!
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