sexta-feira, maio 13, 2005

Afrontar o politicamente correcto

João Lobo Antunes assinou um texto, superior, no Mil Folhas do último Sábado, procedente de uma adaptação da sua apresentação do novel livro de George Steiner "As lições dos mestres". Vem isto a propósito de ter ouvido na TSF a entrevista, curiosíssima, de Maria João Seixas a Carlos Vaz Marques em que, com total desassombro, afirma que o pior crime do Estado Novo, crime de lesa História, foi a Educação, ou seja uma "não-Educação". De facto, durante mais de 40 anos a ignorância foi a política adoptada. Um povo ignorante e feliz, com um dos índices de analfabetismo e iliteracia mais elevados do mundo ocidental. Eis o saldo. O que ainda hoje se reflecte, numa baixa escolarização da população, com eminentes reflexos no desempenho do país em todos os níveis, nomeadamente a nível das tão propaladas ideia-chaves da produtividade e combatividade.
Ora, dizia, num país em que a cultura do facilitismo e do nivelamento por baixo são apanágio de muitos dos sectores da sociedade, e cujo exemplo paradigmático está nas linhas orientadoras do sistema (des)educativo, fazem falta as ideias "reaccionárias" que a cátedra e a maturidade de Steiner convocam.
A primeira é desde logo que "a educação exige o culto de valores de dificuldade" e citando Spinoza continua "tudo o que é excelente é raro e difícil". O politicamente correcto bem pensante dos dias que correm até se arrepia a ouvir isto. Mas mais adiante a blasfémia prossegue: "(…)a escola fácil não cumpre a missão de preparar para a vida difícil(…), a simplificação, o nivelamento por baixo, a diluição são autênticos crimes". Entendendo-se por escola fácil, a que "cede à demagógica satisfação dos caprichos, que fecha os olhos à burla científica, à incompetência de mestres e alunos, que se submete ao relativismo que nega o mérito individual, que procura o consenso que nivela pelo menor denominador".
E prossegue com a heresia, pois, para Steiner, outra ideia a reter é que : "o mistério de ensinar implica , necessariamente, um exercício de autoridade". A que acrescenta o impensável identificando aquilo que designa pela : "atrofia da memória" justificada pela "literacia electrónica" que transforma o ensino actual numa "espécie de amnésia programada".
Desta forma, Steiner, desconstrói as vacas sagradas dos modelos educativos actuais ao pugnar pela a) dificuldade e exigência, b) autoridade e c) o uso da memória. Uma trilogia que, seguramente, se faz arrepiar muita boa gente, é a chave para uma sociedade que se quer mais culta, exigente e capaz.

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