quarta-feira, junho 03, 2015

Über alles



Imaginemo-nos em 1488, data em que foi impresso o primeiro livro em Portugal em português. Tratava-se do “Sacramental” da autoria de Clemente Sánchez de Verdial . Imaginemos que os copistas lusitanos que nessa época reescreviam à mão os livros então disponíveis se organizavam para contestarem a oferta ao público de livros impressos alegando que se trataria de concorrência desleal e de uma prática perigosa por permitir uma divulgação incontrolada de textos sabe-se lá escritos por quem. Imaginemos ainda que o rei D. João II alinhava com os copistas e decidia proibir a venda de livros impressos e ordenava mesmo a destruição das impressoras que existissem no reino.

Felizmente não consta que nada disso tenha acontecido.

O frenesim que por aí vai contra o serviço de transporte Uber parece-me uma indignação de copistas contra a letra impressa. Posso compreender que os taxistas das nossas praças se incomodem com a novidade que lhes perturba o remanso ou que os burocratas de pacotilha lamentem a eventual perda de taxas, de alvarás e de licenças. Há dias esses mesmos falavam em criar uma nova taxa de 20 euros a pagar pelos clientes dos táxis dos aeroportos. Se os portuenses soubessem o que se passa e como se organiza o escalonamentos dos táxis no aeroporto Sá Carneiro haveriam de corar de vergonha pois a coisa não é muito diferente dos arranjos que vigoram no aeroporto de Luanda ou de outro país do terceiro mundo. Mas o que parece extraordinário é que os poderes públicos vigentes façam o que o D. João II não fez e alinhem nesta fantochada de tapar o sol com uma peneira.

Sim, é verdade que não consta que um fornecedor da Uber tenha espancado uma rapariga no centro do Porto ou enganado um turista desembarcado em Campanhã ou em Pedras Rubras; sim, é verdade que um fornecedor da Uber é classificado pelo utente após cada serviço; sim, é verdade que o sistema Uber permite conhecer em tempo real o percurso do automóvel que foi pedido e o tempo que vai demorar a chegar; sim, é verdade que o serviço Uber não envolve troca de dinheiro vivo pois o pagamento é debitado directamente na conta do titular do cartão de crédito; sim, é verdade que o serviço Uber tem vantagens de preço e de custos ambientais muito interessantes. Enfim, tudo inconvenientes gravíssimos e de alto risco!!!

Entretanto, bloqueiam à chinesa os sites da Uber, notificam as operadoras telefónicas para cortarem as comunicações (operadoras que sovieticamente se vergam à ordem) e até o Banco de Portugal estuda a maneira de congelar os pagamentos. Estamos-nos a transformar  num país de treta, essa é que é essa. Podem vender a TAP, os comboios, a Efacec, os bancos, a PT, a Galp, a Cimpor, as águas, o Metro e a STCP, os hospitais e as escolas, mas os táxistas hão-de ser nossos!!! Olarilolé!

 Pensando bem, devíamos era acabar com os computadores e voltar à lousa e ao lápis de carvão. Isso é que seria patriótico. E já agora, juntem-lhe um manjerico com uma quadra catita.

2 comentários:

  1. Ilumina-me S. João
    E faz-me disto compreensivo
    Diz-me que é pura ilusão
    E que já se foi o estado corporativo

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  2. Força Douro, força Uber! É verdade, é.

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