Manoel de Oliveira: um cineasta prolífico e longevo! Seria uma definição pequena mas, sobretudo, limitada para caracterizar o Mestre do Porto. Apesar de tudo, a sua circunstância, particular, de atravessar todo o século XX, permitiu-lhe acompanhar a evolução do cinema! Do mudo ao sonoro, passando depois pela cor! Só isso já bastaria para fazer dele um vulto incontornável da cinefilia. Mas esta é a parte menos relevante.
Não conhecendo grande parte da sua obra, vi alguns dos seus filmes, sendo que nem todos me marcaram, mas outros fizeram-no, para sempre! E desses há três que guardo: "Non ou a vã glória de mandar", "Vale Abraão" e " Dias do desespero"! Há três imagens "oliveirianas" que retive e que me acompanham: a árvore, no ultramar, enquanto o todo-o-terreno com os militares se desloca para a frente de batalha, e nos permite realizar que o contexto e o tempo determina a percepção da singularidade da vida, e por isso ela é dinâmica; os olhos azuis de Leonor Silveira, que "nos empurram" pelo meio do laranjal, de um belaza impossível de alcançar; e a roda da carruagem camiliana, persistente, inquieta, infindável... demente!
A câmara que filma, nos três planos de imagens, move-se, respectivamente, em volta do objecto, no sentido inverso do mesmo, e acompanhado-o! É uma lente que não vê mas que olha! Observa! Revela!Porque no cinema de Oliveira, não se pretende entretenimento pelo entretenimento, mas o realizador persegue a construção estética, pura, por detrás de qualquer história. É um lugar comum dizer mas é uma verdade, o cinema é, nele, uma arte! Por isso, em "Non, ou a vã glória de mandar", consegue uma transposição visual das três gestas maiores da literatura portuguesa, Os Lusíadas, Sermões e A Mensagem. E, com isso, uma psicanálise do inconsciente colectivo português. A portugalidade como saudade de um Quinto Império que, persistentemente, o destino nos teima em retirar. É esta pista, nova, que, como "chave de ouro", Oliveira nos propõe para revisitarmos Camões, Vieira ou Pessoa.
Nos seus filmes, Manoel de Oliveira não pretende contar a história, pretende mostrar, por imagens, o sentido, último, da mesma. Ater-se na literalidade de um guião seria sempre redutor, o que ele filmava era a sua intencionalidade. Poder-se-á, por isso, dizer que ele tinha a sua própria câmara "escura", ou melhor obscura, porque pretendia perscrutar aquilo que estava para além de ... das histórias, das palavras, dos sons, das próprias imagens...! Daí, por vezes, acharmos que há uma quase puerilidade no seu cinema, o que revela que - poderemos até tomar por paradoxo - "o essencial é invisível aos olhos"! É, de facto, um despojamento, ascéptico, como condição de alcance do seu objectivo superior.
Sucede que, relativamente a outros realizadores, Oliveira tudo isto fez de um modo muito "suis generis", não só pelo privilégio de assistir à evolução da cinematografia, quase desde o início, mas também porque lhe deu um cunho pessoal, enquanto português e enquanto portuense! E é esse carácter nobre e muy sempre leal, genuíno, gentil, granítico mas abraçado por um rio, d'ouro, e por um mar, atlante, que revela o essencial de Oliveira. Do Porto para o Mundo!
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