Resisto a escrever sobre o BES e o universo Espírito
Santo, dada a avalanche de peritos, analistas, comentadores e a nova classe
espiritossantólogos que assola o país. Todos sabem tudo sobre tudo. Todos
conhecem e estudaram as organizações em causa. Todos tem deduções que lhe
permitem prever o futuro. Eu, ante as limitações do meu conhecimento do caso,
limito-me a esperar que tudo corra o melhor possível para bem de todos
nós.
Cruzei-me com Ricardo Salgado talvez menos de meia dúzia
de vezes. Retive a imagem de um homem cortez, afável, elegante. Palavras de
circunstância não definem uma pessoa, encontros casuais não criam uma relação
(a não ser na morte do Eusébio ou de um qualquer artista famoso e, ainda assim,
nunca comigo).
Quanto ao resto, à justiça o que é da justiça. Que seja
imparcial, em tempo útil e eficaz.
Por isto, neste post Ricardo Salgado e o BES são pretexto,
não o centro. O centro são os Homens que se dão a conhecer nas dificuldades.
Há uns anos, tive um amigo que muito prezo a passar por
um terrível período. Vítima de violação de segredo de justiça, viveu, como a sua
família, acossado pela imprensa, condenado pelo povo, ignorado pelos amigos.
Antes do fatídico telejornal e do circo montado, não lhe
faltavam amigos. Pobres e ricos, de esquerda e de direita, portugueses e
estrangeiros. Era natural que assim fosse, sempre cultivou amizades, cativava
pelo espírito, a inteligência e o refinadíssimo humor. Tinha dinheiro, poder,
os conhecimentos certos, berço e nome. Um homem do mundo com o carisma de
poucos. Não resistia a tentar sempre estender a mão a todos aqueles, e tantos, que
procuravam a sua ajuda influente.
Na altura, para além dos contactos pessoais, não resisti
a escrever um post sobre o homem que eu conhecia, e conheço, sobre as suas
muitas qualidades e sobre o enorme privilégio de ser seu amigo. Foi um
desabafo, um mínimo ético de manifestação de amizade.
Passou-se o tempo, e um dia recebo deste amigo uma
mensagem que ainda guardo: "Raul, infelizmente só agora li seu escrito.
Logo você que nunca me pediu nada. Ou talvez por isso mesmo. Imagina a solidão
dessas horas? Cadê todo o mundo? Não te agradeço porque sei que te ia ofender.
Puta de vida essa, né?"
Ultimamente, este episódio da minha vida não me sai da cabeça.
Curiosamente, até há dias havia tanta gente a dizer-se
amiga de Ricardo Salgado, como há hoje gente a julgar Ricardo Salgado. A
bajulação parola rapidamente dá lugar a uma vendeta mesquinha.
Restam uns poucos, muito poucos, que não renegam, não se
intimidam, não desviam sequer a conversa. Gostei muito de ler aqueles poucos
que escrevem sobre o seu amigo, que não esqueceram repentinamente as qualidades
e méritos que forjaram essa amizade, que se indignam com julgamentos
precipitados ou ignorantes, que se revoltam com a ingratidão de tantos, que gozaram
com Salgado bons momentos, mas estão prontos a apoia-lo nas tribulações actuais.
Ironicamente, se não teve a sabedoria de
o fazer ao longo da vida, Salgado compreenderá estes dias, pela via mais
penosa, quem são os seus verdadeiros Amigos. A esses, a quem não passa pela cabeça que à Amizade se sobreponham os interesses de ocasião, deixo registo da minha admiração.
Sem comentários:
Enviar um comentário