sexta-feira, agosto 01, 2014

Os Amigos

Resisto a escrever sobre o BES e o universo Espírito Santo, dada a avalanche de peritos, analistas, comentadores e a nova classe espiritossantólogos que assola o país. Todos sabem tudo sobre tudo. Todos conhecem e estudaram as organizações em causa. Todos tem deduções que lhe permitem prever o futuro. Eu, ante as limitações do meu conhecimento do caso, limito-me a esperar que tudo corra o melhor possível para bem de todos nós. 
Cruzei-me com Ricardo Salgado talvez menos de meia dúzia de vezes. Retive a imagem de um homem cortez, afável, elegante. Palavras de circunstância não definem uma pessoa, encontros casuais não criam uma relação (a não ser na morte do Eusébio ou de um qualquer artista famoso e, ainda assim, nunca comigo).
Quanto ao resto, à justiça o que é da justiça. Que seja imparcial, em tempo útil e eficaz.
Por isto, neste post Ricardo Salgado e o BES são pretexto, não o centro. O centro são os Homens que se dão a conhecer nas dificuldades.
Há uns anos, tive um amigo que muito prezo a passar por um terrível período. Vítima de violação de segredo de justiça, viveu, como a sua família, acossado pela imprensa, condenado pelo povo, ignorado pelos amigos.
Antes do fatídico telejornal e do circo montado, não lhe faltavam amigos. Pobres e ricos, de esquerda e de direita, portugueses e estrangeiros. Era natural que assim fosse, sempre cultivou amizades, cativava pelo espírito, a inteligência e o refinadíssimo humor. Tinha dinheiro, poder, os conhecimentos certos, berço e nome. Um homem do mundo com o carisma de poucos. Não resistia a tentar sempre estender a mão a todos aqueles, e tantos, que procuravam a sua ajuda influente.
Na altura, para além dos contactos pessoais, não resisti a escrever um post sobre o homem que eu conhecia, e conheço, sobre as suas muitas qualidades e sobre o enorme privilégio de ser seu amigo. Foi um desabafo, um mínimo ético de manifestação de amizade.
Passou-se o tempo, e um dia recebo deste amigo uma mensagem que ainda guardo: "Raul, infelizmente só agora li seu escrito. Logo você que nunca me pediu nada. Ou talvez por isso mesmo. Imagina a solidão dessas horas? Cadê todo o mundo? Não te agradeço porque sei que te ia ofender. Puta de vida essa, né?"
Ultimamente, este episódio da minha vida não me sai da cabeça.
Curiosamente, até há dias havia tanta gente a dizer-se amiga de Ricardo Salgado, como há hoje gente a julgar Ricardo Salgado. A bajulação parola rapidamente dá lugar a uma vendeta mesquinha.
Restam uns poucos, muito poucos, que não renegam, não se intimidam, não desviam sequer a conversa. Gostei muito de ler aqueles poucos que escrevem sobre o seu amigo, que não esqueceram repentinamente as qualidades e méritos que forjaram essa amizade, que se indignam com julgamentos precipitados ou ignorantes, que se revoltam com a ingratidão de tantos, que gozaram com Salgado bons momentos, mas estão prontos a apoia-lo nas tribulações actuais. 
Ironicamente, se não teve a sabedoria de o fazer ao longo da vida, Salgado compreenderá estes dias, pela via mais penosa, quem são os seus verdadeiros Amigos. A esses, a quem não passa pela cabeça que à Amizade se sobreponham os interesses de ocasião, deixo registo da minha admiração.

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