A propósito de
uma certa forma de entender a amizade, sobretudo quando vem embrulhada com
aromas de afabilidade, de berço e de nome, recordo um episódio interessante
relativo ao processo de Charles Keating que foi condenado, em 1992, a dez anos de
prisão pelas malversações financeiras (uma maneira suave de nos referirmos a
descarados roubos) no banco americano Savings and Loans.
No auge do
sucesso da sua carreira de ladrão, o Sr. Keating deu muito dinheiro (cerca de
milhão e meio em duas tranches) à Madre Teresa de Calcutá, a qual julgou
adequado endereçar, durante o processo, uma carta ao tribunal declarando que o
Sr. Keating era uma pessoa muito amável, que sempre ajudara os pobres, e que
era importante que o tribunal fizesse como Jesus faria em tais circunstâncias.
O
Procurador-Geral de Los Angeles respondeu à Madre Teresa explicando-lhe que o
Sr. Keating roubara a 17.000 individuos um montante calculado em 252 milhões de
dólares. E que as vítimas dessa fraude eram pessoas do mais variado espectro
social, alguns ricos mas na maioria pessoas de modestos recursos que viram as
suas parcas economias evaporarem-se.
Pegando nas
palavras da Madre Teresa, o Procurador perguntava-lhe o que faria Jesus se lhe
tivessem dado os frutos de um roubo, adiantando que ele imaginava que Jesus os
devolveria a quem fora roubado. Convidava, por isso, a Madre Teresa a devolver a
cada um dos espoliados, tal como constavam da lista que lhe enviaria a seu
pedido, o montante pro rata dos donativos que recebera do vigarista Keating. Nunca
a lista foi pedida nem o dinheiro devolvido.
Um outro caso
interessante e que nos toca mais de perto diz respeito ao Dr. Mário Soares
quando era Presidente da República. Numa visita de Estado à Tunísia achou por
bem e em nome do tal conceito de amizade visitar o seu amigo, ex-primeiro
ministro italiano Bettino Craxi, que fugira para Hammamet para escapar à
justiça que o queria condenar por corrupção no âmbito da operação Mani Pulite. Consta
que degustaram ambos um lauto jantar na luxuosa residência tunisina do
fugitivo.
Uma coisa é
denunciar a hipocrisia dos lambe-botas, outra coisa é levantar nevoeiros para
dar nuances aos crimes e distrair-nos do essencial: que a justiça seja eficaz,
rápida e implacável. Mas sendo a natureza humana o que é, não espanta que haja
sempre quem prefira o Barrabás, sobretudo se este sabe sentar-se à mesa e comer
com a boca fechada.
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