sexta-feira, agosto 01, 2014

Os amigos de Barrabás


A propósito de uma certa forma de entender a amizade, sobretudo quando vem embrulhada com aromas de afabilidade, de berço e de nome, recordo um episódio interessante relativo ao processo de Charles Keating que foi condenado, em 1992, a dez anos de prisão pelas malversações financeiras (uma maneira suave de nos referirmos a descarados roubos) no banco americano Savings and Loans.

No auge do sucesso da sua carreira de ladrão, o Sr. Keating deu muito dinheiro (cerca de milhão e meio em duas tranches) à Madre Teresa de Calcutá, a qual julgou adequado endereçar, durante o processo, uma carta ao tribunal declarando que o Sr. Keating era uma pessoa muito amável, que sempre ajudara os pobres, e que era importante que o tribunal fizesse como Jesus faria em tais circunstâncias.

O Procurador-Geral de Los Angeles respondeu à Madre Teresa explicando-lhe que o Sr. Keating roubara a 17.000 individuos um montante calculado em 252 milhões de dólares. E que as vítimas dessa fraude eram pessoas do mais variado espectro social, alguns ricos mas na maioria pessoas de modestos recursos que viram as suas parcas economias evaporarem-se.

Pegando nas palavras da Madre Teresa, o Procurador perguntava-lhe o que faria Jesus se lhe tivessem dado os frutos de um roubo, adiantando que ele imaginava que Jesus os devolveria a quem fora roubado. Convidava, por isso, a Madre Teresa a devolver a cada um dos espoliados, tal como constavam da lista que lhe enviaria a seu pedido, o montante pro rata dos donativos que recebera do vigarista Keating. Nunca a lista foi pedida nem o dinheiro devolvido.

Um outro caso interessante e que nos toca mais de perto diz respeito ao Dr. Mário Soares quando era Presidente da República. Numa visita de Estado à Tunísia achou por bem e em nome do tal conceito de amizade visitar o seu amigo, ex-primeiro ministro italiano Bettino Craxi, que fugira para Hammamet para escapar à justiça que o queria condenar por corrupção no âmbito da operação Mani Pulite. Consta que degustaram ambos um lauto jantar na luxuosa residência tunisina do fugitivo.

Uma coisa é denunciar a hipocrisia dos lambe-botas, outra coisa é levantar nevoeiros para dar nuances aos crimes e distrair-nos do essencial: que a justiça seja eficaz, rápida e implacável. Mas sendo a natureza humana o que é, não espanta que haja sempre quem prefira o Barrabás, sobretudo se este sabe sentar-se à mesa e comer com a boca fechada.

 

 

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