quarta-feira, abril 13, 2011

The Dismal Science


Nunca a economia foi tão uma ciência tão triste!

E os tempos em que essa expressão nasceu eram bem sombrios. No final do século XVIII, o reverendo Malthus previa a fome em resultado de um crescimento demográfico superior à taxa de crescimento da oferta de alimentos. A receita que propunha era à medida do medonho da profecia.

Invertendo a expressão que inspirara a Nietzsche o título da sua compilação de poemas "The Gay Science" (a arte da poesia), Thomas Carlyle retorquiu ao reverendo algumas décadas depois nestes termos: "Not a gay science, I should say, like some we have heard of; no, a dreary, desolate and, indeed, quite abject and distressing one; what we might call, by way of eminence, the dismal science".


O desígnio de Carlyle (restaurar em partes do Império a escravatura, à qual atribuía superioridade moral e económica sobre as forças de mercado da oferta e da procura) não se concretizou. E John Stuart Mill aceitou o qualificativo ("grim science") ao contestar Carlyle e lançar as bases da economia política liberal, quando veio relembrar aos aprendizes de feiticeiros da indústria nascente os limites físicos e financeiros da acção das empresas e das pessoas. Ainda assim, consta que foi a criada dele que pegou acidentalmente fogo ao primeiro de três volumes sobre a história da revolução francesa que Carlyle tinha terminado e que teve de escrever de novo…

A questão malthusiana foi resolvida com o espectacular aumento da produtividade agrícola no século seguinte, que ficaram para a História como a "Green Revolution". Como vemos, não inventamos nada de novo, em termos propagandísticos. E se a questão foi ou não resolvida, é tema para outra conversa, mas temo, desde já, que o assunto venha a readquirir rapidamente carácter de urgência.

O vitupério ficou, pois, até hoje, e os economistas detestam-no. Com o mesmo fervor com que acham, todos, que a sua disciplina é uma ciência exacta. Mais ninguém acha senão eles.

Vem isto a propósito de alguns comentários ao meu escrito inaugural, que parece pretenderem lançar um debate de economistas sobre o futuro da nação.


Não estou aqui para isso. Sou jurista, não sou economista. Nem quero ser, jamais, para além do estritamente necessário para gerir com um mínimo de equilíbrio as minhas próprias finanças e para tentar compreender o que se passa no mundo. Em temas económicos, prefiro de longe Swift e a quarta parte das Viagens de Gulliver quando constrói na sua imaginária Houyhnhnmland uma sociedade não mercantil. Utópico mas belo.

A economia só me interessa, e ainda assim com muito esforço, na sua dimensão política. Sobre Portugal, é a política que quero discutir aqui.

Apontei três factos sequentes ao financiamento externo: renúncia ao pagamento da dívida, saída do euro/desvalorização e recentragem no mundo e não na Europa. Três factos, não três teses. Factos diferidos, mas certos, da mesma forma que o financiamento externo foi um acto diferido durante meses. Factos cuja constatação decorre de simples operações aritméticas como as que nos permitem evitar a insolvência pessoal. Que resultam também da observação do que se passa noutras partes e da forma como funciona a Europa política actualmente.

Não me interessa ter razão ou não ter ou apreciar esses factos à luz dos interesses nacionais. Sobre factos, não se opina, aceitam-se ou negam-se (como as avestruzes) Por isso, a opinião de outros sobre a conveniência dos factos é-me também indiferente.


O reflexo do economista perante os factos é irresistível: extrair uma teoria certa e exacta. Por isso andaram meses a discutir as soluções de austeridade e a repartir as culpas pelas mesmas, em vez de se prepararem para o inevitável.

Ademais, a espécie reproduziu-se como coelhos nestes últimos anos. São às centenas a opinar nas colunas dos jornais e nos debates televisivos. Pelo menos tantos como no futebol, provavelmente mais, e com igual profundidade e espessura intelectual. A quantidade empobrece a qualidade e eu não serei mais um, juro!!!

Agora, que o primeiro episódio do inevitável chegou, caladinhos! Hora de obedecer aos grandes deste mundo. Secou-se-lhes a inspiração. De repente, só vêm culpas próprias e submissão ao castigo. Perdão banqueiros, ajudem-nos! Bem podiam aproveitar para passar, pelo menos, ao passo seguinte: como pagar menos. Para não falar nos ulteriores, que são os que verdadeiramente interessam.

Se fossem só os economistas, seria maçador, mas não dramático. O que me aflige é a política, que se resume, desde há muito, a tentar convencer o povo que o declínio económico é irreversível e que tem de o pagar. Usa, para tal, das verdades, sempre relativas e parciais, dos teóricos da economia.

Horizonte mais negro do que este é difícil e é a política que vai desanuviá-lo.

São tantas as questões políticas (e, claro, também de política económica) fundamentais que a crise suscita e que poucos discutem!!! Honra às excepções, entre as quais, alguns dos escribas deste blogue!

É sobre essas questões que penso escrever nas próximas contribuições.

Bartolomeu

4 comentários:

  1. Não podia concordar mais, no essencial. Espero ter sido suficientemente claro, em anteriores posts e comentários, ao sugerir questões políticas, com implicações económicas, bem entendido, que espero vir a ver debatidas pelo que nos resta de responsáveis políticos. Mas se não o for, sê-lo-à pelo menos por nós, os bloguistas. (Não confundir com bloquistas, que também o fazem mas com total alheamento da realidade... é que a economia só não é ciência para o futuro; quando se trata de apontar factos passados, como os que o Bartolomeu usa, é até muito boa e científica, ainda que possa falhar onde a economia se torna política, como seja na interpretação desses factos...)

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  2. O Bartolomeu promete continuar a contribuir. Mande mais, homem.

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  3. "política" tem hoje um sentido equívoco...

    Mas estou de acordo que sair daqui vai exigir elasticidade, e capacidade para pensar "fora do quadrado".

    A questão é saber se é possível a mudança a partir de dentro. Se os actuais protagonistas estão à altura do que aí vem. Parece-me que não, mas (no sentido literal) vou pagar para ver.

    Um abraço ò 'Meu!
    JAC

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  4. Quand méme, economia, finanças, moeda e contabilidade é tudo coisa diferente.
    E todas têm a ver com política...
    FRF

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