sexta-feira, abril 08, 2011

Dirigismo, empresariado e concorrência

Um pouco mais abaixo, um ilustre comentador (rabanadas) destas nortadas, Funes, o memorioso, discorda da minha discorrência sobre o fim do dirigismo porque "a ideia de que em Portugal existe uma classe empresarial autónoma e independente do Estado" é falsa; segundo ele, "não existe nem nunca existiu".

Facilmente se podem invocar argumentos empíricos, e históricos, para apoiar a tese funesta. Porém, peço licença para discordar.

Aceitar o bem fundado deste argumento é, como é conveniente para a elite que nos governa, confundir a classe empresarial com o empresariado do regime: estes últimos são aqueles de quem fala Funes, o memorioso (bem acompanhado pela generalidade da nossa elite comentadeira). O empresariado do regime consiste, normalmente, na generalidade dos administradores das "grandes empresas" nacionais, sobretudo as financeiras e as da construção civil e obras públicas; consistem ainda numa míriade de empresas oportunistas e bem relacionadas que aproveitam as necessidades de fornecimento ao Estado para acumular benesses que, no mercado, dificilmente conseguiriam alcançar. Não querendo ser repetitivo, trata-se das empresas produtoras dos "bens não transaccionáveis", de que agora toda a gente fala. Aliás, não muito diferente dos antigos protegidos do "corporativismo" pré-revolucionário.

Mas, felizmente, a classe empresarial portuguesa não se esgota nestes cúmplices do estado a que o Estado, e o País, chegaram.

Para além destes, felizmente, existem óptimos empresários e excelentes empresas, bem como outros menos bons e outras miseráveis, que, globalmente, têm conseguido continuar a aumentar as nossas exportações geralmente a ritmos bem superiores aos do crescimento da economia do País. E isto apesar de estarem sobrecarregadas com o excessivo peso do Estado na economia e com a ineficiência desse mesmo Estado, sobretudo no que respeita ao sistema judicial e legislativo. Qualquer economista atento sabe que o problema em Portugal não é a produtividade do trabalho, bem pelo contrário, é a produtividade do capital; nas suas duas vertentes: a gestão e os investimentos.

Estes empresários excluídos do regime, geralmente anónimos - apesar das raras excepções que o Funes bem aponta (Alexandre Soares Santos e Belmiro de Azevedo) - são muito melhores do que a classe política e a inteligência económica do País, a julgar apenas pelos resultados que apresentam. Basta ver os resultados das exportações e o sucesso das empresas na área das novas tecnologias.

Para além destes há, naturalmente, muitos outros empresários geralmente fracos. Por exemplo os empresários à sombra de privilégios corporativos, como é o caso das clínicas médicas ou dos advogados. Quero crer que mesmo nestas áreas se tem evoluído. Sei que vão ser obrigados a evoluir, agora que o Estado está demasiado fraco para os continuar a proteger. Estes são sobretudo prejudicados pela falta de formação e pelo mau funcionamento das instituições.

O que nos leva à "concorrência" que aludi em título.

A concorrência sempre foi maltratada pelas elites nacionais, sobretudo as políticas, mas igualmente a dos empresários dependentes do Estado. E era, como bem sabemos, dificilmente demonstrável. Digo era, porque depois do favor que a Sonaecom nos fez a todos com a sua OPA à PT, e a consequente separação entre a Zon e a dita PT, qualquer residente em Portugal sabe o que a concorrência pode fazer por nós, por muito desatento que tenha estado.

E uso a concorrência para sublinhar o ponto que quis marcar com o post sobre o fim do dirigismo. É que em Portugal temos sobretudo um défice institucional. As nossas instituições funcionam mal, para não dizer pessimamente. Por exemplo, se a Autoridade da Concorrência desempenhasse livremente as suas competências e promovesse verdadeira concorrência nos mercados, muitas áreas da nossa economia seriam mais eficientes (vide Zon). Inevitavelmente, pelo menos a prazo. Se os nossos Tribunais fossem verdadeiramente independentes e eficientes, a nossa economia seria muito mais competitiva. E por aí adiante.

Só não vê quem não quer ver. Esta aposta caudilhista que sistematicamente fazemos, procurando o homem certo para nos governar, em vez das ideias que nos tirem do lodo, é o legado mais pesado que nos deixou a primeira e a segunda República; a primeira por ter criado condições para a segunda; esta última por ter confirmado que só um homem forte e determinado poderia "endireitar" o País. A forma como tanto PS como PSD sempre exploraram este nosso sentimento caudilhista, ou sebastianista se preferirem, é que permitiu que o regime democrático se tivesse transformado nesta quinta partidária, onde o Estado é gerido como uma propriedade ao serviço de poucos com o pretexto de servir a muitos. Onde a economia passou a ser um instrumento da satisfação das prioridades de grupos e clientelas. Onde as empresas são instrumentalizadas para a prossecução das visões desligadas da realidade dos detentores do poder, a troco dos lucros de alguns. E por aí fora. E agora já conhecemos, ou começamos a conhecer, o verdadeiro preço que teremos de pagar por isto...

Quem tiver dúvidas do que afirmo, que se recorde dos argumentos sistematicamente usados para combater os diferentes projectos de regionalização, deliberadamente confundindo a reorganização do Estado, único verdadeiro objectivo de qualquer regionalização quando não há problemas políticos para resolver (como em Espanha), com a "recriação de quintas mais pequenas e mais difíceis de controlar"...

É obviamente no reforço, e melhoria, das Instituições que temos de apostar. E para o fazer só nos restam duas alternativas: ou a revolução ou os partidos descomprometidos com o sistema.

7 comentários:

  1. Porque é que os media silenciam a Revolução na Islândia?
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    RESPOSTA: Porque a superclasse (alta finança - capital global; nota: controlam os media) está interessada em Democracias facilmente manobráveis por lobbys...
    A superclasse não está interessada em Democracias aonde os cidadãos exijam, não só maior transparência aos governos, como também o Direito de VETAR as 'manobras' com as quais não concordam.
    .
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    ANEXO:
    A limitação do número de mandatos dos políticos é um álibi/truque para reivindicar reformas antecipadas... e... para dar uma ilusão de controlo!...
    Ora, os políticos não deverão ter o número de mandatos limitado... mas em contrapartida, esses mandatos deverão estar sujeitos a uma muito maior vigilância/controlo por parte dos cidadãos (ex: o Direito ao Veto do Contribuinte) - blog: Fim da Cidadania Infantil; e os políticos deverão ter uma idade de reforma igual à do regime geral!
    .
    .
    P.S.
    A superclasse não só pretende conduzir os países à implosão da sua Identidade... como também... pretende conduzir os países à implosão economica/financeira...
    De facto: superclasse ambiciona um Neofeudalismo - uma Nova Ordem a seguir ao caos...
    .
    P.S.2.
    Existe algo que cada vez é mais óbvio: a voragem do capital global contra o Estado-Nação!...
    Na voragem... os governos fragilizados (pela actuação de 'bilderbergos' infiltrados nos governos, nos partidos, nos sindicatos, etc)... são depois pressionados/empurrados (de várias formas) no sentido de que sejam vendidos activos dos Estados.
    [nota: leia-se - delapidar os sectores estrategicos, privatizar as joias de ouro, decapitar qualquer força opositora (no caso de Portugal a PJ e o Exercito) e depois criar uma policia privada mercenaria e um gigantesco complexo de vigilancia electronica]
    .
    P.S.3.
    O Estado tem muitos defeitos... mas permite-nos participar (e procurar melhorar as coisas)... MAS... quem quiser ficar à mercê dos globalistas maçonicos do clube bilderberg (etc), ou seja, ser UM SERVO de senhores neofeudais…... tchau: que faça bom proveito!...

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  2. não há partidos descomprometidos com o sistema. OU queres falar desse tema a sério?
    JAC

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  3. Para ser generoso com a tua tese, caro JAC, há partidos mais e menos comprometidos com o sistema...

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  4. meu caro ventanias
    percebo essa tentação
    mais uma tentativa de optimismo timido
    mas parece-me que esse caminho que aponta já não é suficiente
    essas medidas (sem duvida alguma necessárias)são insuficentes para conseguirmos o crescimento económico necessario.
    Desta vez parece que temos mesmo que voltar atrás..
    ...a bem da Nação!!!
    Francisco Vellozo Ferreira

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  5. Meu caro Ventanias, eu concordo 1000% consigo. Tal como concordo com a minha filha de 11 anos, quando ela diz que a guerra é uma coisa feia e que os homens deviam dar as mãos e passar os dias a cantar hinos à alegria. O que se passa é que ambos falam de um mundo de fantasia que o nosso mundo real não comporta. O Ventanias diz que há empresários muito bons e que, se descontarmos os que vivem à custa do Estado, o que fica é a excelência. A verdade, porém, é que se tirarmos as excepções que eu já citei, não sobra nada. Sobram agricultores a exigir ao Estado que não deixe os produtos agrícolas do exterior entrar no mercado nacional; sobram camionistas a exigir que os contribuintes lhes paguem as auto-estradas que usam; sobram pequenos comerciantes a reclamar que o Estado feche as grandes superfícies para eles manterem os seus estabelecimentozinhos que já nos anos 50 estavam desactualizados.
    Faça umas pequenas contas e diga-nos qual o contributo dos seus verdadeiros empresários para o PIB. Ficará desiludido.

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  6. Não tenho números mas tenho o dado que já usei: as nossas exportações cresceram mais do que o PIB nacional. E sabemos que os sectores "tradicionais" continuam a ser os maiores contribuintes das nossas exportações...

    Por outro lado, caro Funes, quero agradecer o seu elogio, ao comparar-me à sua filha. Por duas razões, qual delas a mais importante ou significativa.

    Primeira: perante a falta de inocência, para não dizer pior, da nossa elite das últimas décadas, elogiar a inocência é sempre de agradecer.

    Segunda: se nem em alturas destas formos capazes de propor correcções estruturais que nos abram a portas de novas utopias nacionais, então é que não há mesmo esperança.

    Bem sei que o meu optimismo é construído, voluntaristicamente. Mas até me provarem o contrário, prefiro forçar-me a acreditar, e lutar por isso, no Portugal que podia ser do que resignar-me ao Portugal que é. Até porque este último, já era...

    Abraço

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