quarta-feira, janeiro 19, 2011

Vender a dívida ... ou emitir divida

Eis a questão.

Infelizmente a ignorância financeira em Portugal é gritante.

Muito se tem especulado sobre a venda de divida pelo Governo. Vou tentar explicar porque é que esta questão devia ser irrelevante.

Quando um devedor "emite" divida, isto é cria novas obrigações (títulos da dívida), necessariamente negoceia um preço para a mesma. Esse preço é o juro que terá de pagar, que promete pagar.

Depois da divida emitida ela pode ser negociada nos mercados; isto é, vendida (venda) e comprada (compra) por um preço. Este preço que é feito nos mercados não mexe nos juros prometidos, no preço negociado no momento da emissão. Este preço dos mercados é o preço pago pelas próprias obrigações. O juro, neste caso, é implícito. Quanto menos se pagar pela "obrigação" maior o juro implícito que se receberá e vice-versa.

Talvez se perceba melhor com um exemplo: se eu emitir uma dívida de 1000 euros a um juro de 10% a um ano, eu terei de pagar no final do ano os mesmos 1000 euros acrescidos de 100 euros correspondentes a juros. O preço que eu vou pagar está fixo no momento da emissão.

Agora se existir um mercado para essa dívida e alguém a comprar, poderá pagar um preço diferente, sabendo que irá receber 100 euros de juros no final do período. Portanto, de forma simplificada, se achar que a divida tem mais risco do que os 10% de juro, vai oferecer preços inferiores aos mil euros; vai comprar mil euros de divida a 900 euros, por exemplo. Ora, se tiver pago 900 euros e receber 100 euros no final, o juro "implícito" que recebe corresponde a uma taxa de 11,11%. Esta taxa, portanto, diz mais sobre o "risco", ou melhor a "percepção do risco" da divida do que sobre o "preço" da divida. E o inverso também é verdadeiro: se o investidor achar que o risco é menor, vai pagar mais pela divida (por exemplo 1100 euros) e portanto receber um juro, implícito, menor: 100/1100=9,09%

Quer dizer: quando os "investidores" andam a comprar divida portuguesa abaixo do valor da emissão, se o Governo "vender" divida estará a premiar os especuladores (que a compraram a 900 e a vendem a 930 euros, por exemplo).

Quando o BCE compra esta dívida nos mercados está a fazer investimentos, o que o seu estatuto permite - e não emissão de divida, que o estatuto não permite; mas está também a premiar os especuladores. Com duas consequências: por um lado dá um recado aos mercados de que não acredita no "risco" que os investidores avaliam; por outro está a retirar divida das mãos dos privados para mãos oficiais (portanto, garantidas por impostos, receitas fiscais).

Serve toda esta lição para explicar que a questão da "venda" da dívida é uma não questão.

Mal andaria qualquer governo, nas circunstâncias actuais do mercado, se não procurasse parceiros dispostos a investirem nas suas emissões de dívida.

E pior estaria se não explicasse a potenciais investidores que o risco real da dívida portuguesa é inferior ao juro que os mercados o avaliam...

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