domingo, março 14, 2010

De volta à estaca zero


Na obra onde o Albino trabalhava, os chefes eram franceses, os capatazes italianos e a arraia miúda repartia-se entre gente do Magrehb e beirões. O Albino sentia-se confortável ao lado dos argelinos, que não se davam conta do seu defeito de dicção e até lhe tinham carinho pela forma curiosa como ele pronunciava as raras palavras do franciú de estaleiro.
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Poucas semanas depois de ter começado a lidar com os cimentos, assunto menos caprichoso que a terra dos campos, o Abdelaziz, um dos beduínos mais escutados, desafiou-o a acompanhá-los a uma manifestação nas margens do Sena parisiense, algo que seria uma espécie de magusto com uns discursos de permeio. O nosso homem lá os seguiu sem perceber bem do que se tratava, mas espantado de encontrar tanto bigode argelino a desfilar por avenidas e com palavras de ordem que não entendia.
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Às tantas a polícia de choque carregou de todos os lados, os manifestantes responderam com pedras e os CRS replicaram com tiros, fumos e cães. Viu gente espancada e pisada, viu homens atirados ao Sena, viu cabeças esmagadas, mulheres atropeladas, gritaria, raiva e choros.
Correu quannto pôde, para afinal ser agarrado numa barragem por manápulas firmes e matracas curtas.
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Era já de madrugada quando o separaram de um grupo para o compararem com a foto do passaporte que lhe haviam sacado horas antes num daqueles pátios sob uma das pontes.
Foi expulso, mas ainda assim teve mais sorte que muitas dezenas de outros imigrados a quem faltavam vistos mas não faltavam indícios de simpatia pela FNLA e que graças a isso ficaram definitivamente em Paris, ou no fundo do rio ou algures onde a calma seria igualmente definitiva.
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Tudo isto pôs um ponto final aos sonhos estrangeiros do camponês, que além do mais se convenceu que a democracia francesa magoava tanto ou mais que os fascismos ibéricos.
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Mas daí a voltar para a sachola e a reinstalar-se na aldeia, isso é que não.
Passou lá de noite, a juntar uns tarecos que não queria abandonar. Ali encontrou duas cartas do filho, vindas do Porto. Pois ao Porto iria e era já, a abraçar o rapaz. Havia de se desenrascar e havia de ser no Porto que voltaria a ser o Senhor Albino, pois claro e se faz favor.

2 comentários:

  1. Irá o filho esperar o pai a Pedras Rubras?
    Chegará o Albino por Campanhã?
    NÃO PERCA AS CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS!
    farripas.

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  2. Nada disso: o homem vai de bicicleta mas é apanhado por uma avalanche de lama que o lança ao rio e acorda nas costas americanas. O filho julga o pai morto e atira-se da ponte D. Luís, mas como calculou mal, cai em cima de um autocarro que se despista e esmaga o gato da D. Florinda, a qual perece (ah pois) de síncope ao ver a cauda do seu fiel companheiro toda ensanguentada. É nessa altura que um tsunami entra pelo Douro e acaba com tudo, editor incluido. O Farripas safa-se pois sabendo disto por insider trading refugiara-se a tempo na Torre dos Clérigos.

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