domingo, fevereiro 21, 2010

Travessuras da Menina Má

Li recentemente as “Travessuras da Menina Má”. Foi o meu primeiro livro do escritor Peruano Mário Vargas Llosa.
O livro tem como cenário os acontecimentos políticos da década de 70 na América Latina e o exílio de intelectuais na Europa, experiências - ao que vim a apurar -também elas vivenciadas pelo autor (morou em França com bastantes privações, trabalhou como tradutor em Londres, te simpatia pela revolução de Fidel Castro e uma forte ligação ao Perú).
Tudo começou naquele “verão fabuloso”, quando o jovem Ricardo conheceu a “chilenita” – a “Menina Má” - com olhos cor de mel e que lhe desencadeou um amor profundo, tortuoso, até doentio, e que se arrastaria por 40 anos e passaria por Lima, Paris, Londres, Tóquio e Madrid.
O conflito central do romance traduz um diálogo entre dois estilos de vida opostos: A vida de Ricardo - uma vida planeada e previsível – e a vida da “Menina Má” - uma vida sem rumo, que segue a corrente de acontecimentos.
Em certos momentos ficamos com dúvidas se a paixão de Ricardo é só pela “Menina Má” ou também pelo tipo de vida que esta representa. Certo é que o livro gira em torno de conflitos: a verdade e a mentira, o cómico e o trágico, a proximidade e a distância, a sorte e o destino, a dor e o prazer, a moralidade e a imoralidade (ou amoralidade?), o rico e o pobre, o poderoso e o oprimido. Mas não será também a nossa vida (dita normal) um pouco desse conflito?
O jovem Ricardo tinha apenas duas ambições na vida: amar a “Menina Má” e morar em Paris! Ele instala-se, sozinho, na cidade da luz, como tradutor e intérprete, mas a sua amada atravessa o seu caminho com diversas máscaras: aprendiz de revolucionária na Paris e na Havana dos anos 60; esposa de um milionário britânico na “Swinging London” da década de 70; amante de um mafioso japonês e organizadora de golpes, tramóias, mentiras e traições que infernizam a vida de Ricardo.
Uma história de idas e vindas de uma mulher aos braços de um homem, que, de cada vez que esta regressa, a recebe incondicionalmente, só para a ter durante o pouco tempo que ela precisa para voltar a partir…
Além do amor entre Ricardo e a “Menina Má”, Vargas Llosa trabalha com incrível sensibilidade os personagens secundários, os grandes amigos de Ricardo: Paul, que embarca na epopeia suicida da revolução peruana; Juan, cujo mergulho na outra revolução, a sexual, revela-se também ele trágico; Salomón, intérprete genial e melancólico; Simon e Elena, o casal de vizinhos, e o tio peruano que lhe dá constantes notícias do descalabro do país.
Apesar de serem personagens que se situam nos antípodas, o certo é que nem Ricardo nem a “Menina Má” se afastam em absoluto da sua humanidade. Ricardo, apesar da sua vida pacata, não deixa de constatar que “na vida raramente as coisas acontecem como planeamos”; Já a “Menina Má” descobre que, ao escolher viver intensamente a vida e sem se impor quaisquer limites, acaba por não vivenciar sequer o lado bom da vida.
O enredo chega a ter momentos sórdidos mas, mesmo aí, o autor consegue manter aceso o lado romântico e doce, para concluirmos no final que, se calhar, a “Menina” não era assim tão “Má” e o menino não era assim tão bom. No fundo, ambos carregavam o doloroso peso das suas fatalidades e diferenças culturais e sociais.
O romance "Travessuras da Menina Má" não sendo o livro que permitiu ao autor o tão ansiado Prémio Nobel (pelos vistos, pouco faltou) foi, para mim, e sem qualquer margem para dúvidas, um bom cartão de visita de Mario Vargas Llosa.

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