quinta-feira, maio 07, 2009

Preto no branco


Ensinaram-me que o inventor da tipografia que revolucionou a edição da escrita, substituindo a cópia manuscrita pela impressão mecânica, o que facilitou enormemente a produção de livros, foi um certo Gutenberg, nos anos de 1450, algures entre Estrasburgo e Mayence.

A sua primeira publicação em letra de imprensa, uma Bíblia, terá tido um imediato sucesso.

Um observador rigoroso detectará nos dois parágrafos anteriores várias inverdades (gosto desta palavra 'inverdade', parece elegante, suave).
Uma delas diz respeito ao sucesso comercial desse primeiro trabalho: foi um desastre. As dívidas contraídas para conseguir produzir os 180 exemplares dessa primeira Bíblia levaram-no a tribunal, pois os exemplares acumulavam-se na estante do atelier sem que a procura correspondesse às expectativas iniciais.

Uma outra inverdade é que tenha sido publicada no que se chama hoje letra de imprensa. Na verdade, Gutenberg utilizou caracteres que imitavam a escrita manual, num estilo meio-gótico, pois achava que quanto mais essa Bíblia fosse parecida com as existentes, mais sucesso teria.

Mas o mito mais impressionante desta curiosa história consiste no facto de que a técnica da utilização de caracteres individuais (letras ou tipos), sobre os quais se derramava uma tinta que, com a ajuda de uma maquineta de pressionar azeitonas ou uvas, se 'imprimiam' numa folha de papel, fora já no essencial imaginada e aplicada duzentos anos antes por orientais.
De facto, foi no tempo do império mongol Yuan (e sublinho mongol, em contraposição a chinês), onde em países hoje ocupados pela China já se imprimiam livros com base em tábuas de madeira em que se esculpira ao invés (como se fora a imagem do texto no espelho) uma página inteira, que se fizeram as primeiras produções de livros utilizando caracteres individuais amovíveis. Pi Sheng fabricava estes caracteres em barro, mas depois, na actual Coreia, já usavam tipos em metal e ali foi publicado em 1234 o primeiro livro de acordo com esta técnica.

Então, porque razão essa descoberta "chinesa" não vingou?
Porque os alfabetos orientais requeriam a manipulação de milhares de caracteres (portanto, muito demorada), o papel de então era esponjoso (tipo papel-higiénico), não dispunham de máquinas de premir (pois não havia ali o costume de fazer azeite ou espremer as uvas), e sobretudo não estavam politicamente interessados em divulgar textos ou a informação.

Gutenberg não tem culpa do mito. Aliás, tem méritos enormes, pois descobriu a boa liga de chumbo para os seus caracteres, lembrou-se do que vira nos lagares de azeite, inventou uma mesa e um sistema que lhe facilitava a manipulação de duas centenas de caracteres (maiúsculas, minúsculas, pontuação e outras subtilezas), percebeu que precisava de um papel mais duro e de uma tinta com menos água, mas não foi o inventor da imprensa, foi talvez o seu re-inventor, e beneficiou de uma época especial em que, devido às polémicas dos protestantes, passou a haver um enorme apetite pela leitura da Bíblia, ao que se juntava a garantia de que todos leriam a mesma versão.

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