Pela estrada de Valongo, pela da Foz, passam milhares de fugitivos, levando muitos consigo os objectos de valor que puderam salvar. Mas a maior parte da população, doida, de pavor, dirige-se principalmente para o rio esperando transpô-lo pela ponte ou em barcos. Na Ribeira e ruas convergentes a confusão é indescritível. De repente reboa “nos ares um brado horrendo”: - a ponte abriu-se ao meio (ou abriram-na) despenhando no rio dezenas de pessoas. Os desgraçados que estão mais perto do perigo pretendem conter a onda que detrás os empurra para o abismo, mas, com a pressão, um dos parapeitos abate. “E a multidão, sem perceber o que se passava, desvairada pelo terror, impelindo-se a si mesma, atropelada pela cavalaria portuguesa, que, fugindo, abria caminho à cutilada, ia incessantemente sumir-se na escancarada voragem”. Não se sabe quanto tempo durou a hecatombe. Uma versão inverosímel diz que se formou tal montanha de cadáveres entre os dois troços da ponte que, por cima dela se passava de um lado para o outro. Os gritos, os brados de horror, não cessam. Barcos cheios de gente, sossobram. E, como se tudo isto não bastasse, quando na Ribeira aparecem os primeiros soldados inimigos, a artelharia da Serra do Pilar, querendo alvejá-los, começa a metralhar o povo. Mas os franceses não respondem ao ataque…É que acostumados embora ao espectáculo das batalhas, familiarizados com a chacina, nunca tinham, talvez, presenciado nada que se comparasse com o que viam. E, não podendo reprimir um movimento humano de compaixão, alguns soldados tratam de socorrer os infelizes que se debatem no rio contra a morte. Conta-se, porém, que certa rapariga retirada da água por um francês, ao ver quem a tinha salvo, exclamara: - “Não quero dever a vida a monstros que dilaceram a minha Pátria”- e se arremessa de novo à corrente.
Artur de Magalhães Basto – “1809 O Pôrto sob a segunda invasão Francesa”
Douro, desculpa mas esta versão é do meu avô.
Pois acho o "teu" relato muito mais colorido e fidedigno que o "meu", mas aqui onde estou deitei mão ao que tinha. Aliás, não me parece haver grande divergência entre os dois relatos, embora o de Magalhães Bastos esteja mais completo. Ressalvo talvez essa suposta compaixão francesa, que me parece inspirada quiçá por simpatias liberais que quereriam evitar o opróbio dos que lhes teriam trazido as ideias do progresso. Ora, nesse mesmo dia as tropas francesas incendiaram, pilharam, roubaram, violaram, assassinaram outros tantos milhares de pessoas na cidade do Porto e desses crimes e desses infelizes fala-se menos.
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