sexta-feira, junho 13, 2008

Eu não sou irlandês; nem quero ser

Em matéria de Europa, continuo a perder. Tive um projecto de Constituição Europeia, que não sendo perfeito tinha grandes vantagens, e não fui ouvido. Mas os franceses, ajudados pelos holandeses chumbaram-no. E eu fiquei sem ele. Sem ser ouvido.

Tive depois um Tratado de Lisboa. Não era perfeito, porventura até era menos que a Constituição. Mas tinha grandes vantagens, em relação aos actuais. Perdi, primeiro, porque não fui ouvido. Por decisão dos meus governantes.

Perco agora, porque os irlandeses o decidiram matar. E eu continuo a não ser ouvido. Aqueles, nem sequer se deram ao trabalho de ir votar em maioria; teriam as suas razões. Mas não eram certamente as minhas. Nem me deram voz, lá porque tiveram voz.

Perco ainda, porque não sei, e creio que ninguém sabe, o que é que os irlandeses ganharam - excepto talvez o Pacheco Pereira, que certamente considera que eles "ganharam" a manutenção de um comissário e uns cagagésimos de ponto percentual no peso dos respectivos votos no processo decisório europeu; decisivos, diga-se, naquela hipótese única em que a formação da maioria de bloqueio depende dos votos da Irlanda, uma vez por década ou coisa que o valha.

Enfim, tudo isto seria menor, se a Europa tivesse ganho alguma coisa. Ou Portugal.

Que ninguém se iluda. Não foi Portugal que ganhou, nem muito menos os europeus. Estes perderam especialmente a possibilidade da Europa se ver centrada na construção de maiorias, em vez de continuar fixada nas miríficas possibilidades de "bloquear" uma qualquer decisão importantíssima. O problema, obviamente, não se esgota nos tratados; mas poderia ter vindo do que tinha herdado o nome de Lisboa um contributo decisivo para alterar os seus dados.

Perdemos todos, sobretudo porque qualquer tratado será sempre o resultado possível de uma negociação entre partes com prioridades e interesses diferentes. Nesses termos, a perfeição é quase impossível por definição. Mas pior que essa imperfeição é o risco de uma pequena percentagem de eleitores poder travar o avanço de tantos; sem pagar por isso e sem ter de apresentar qualquer alternativa. Isto não é sistema.

Em consequência, brevemente, aparecerão soluções que estavam previstas no Tratado, propostas por alguns, para serem aplicadas apenas por alguns. Assim se começará a desmontar o que se foi construindo nestas últimas cinco décadas. Pode ser que depois, finalmente, os povos e os seus líderes percebam o que estava em causa.

Esta, foi verdadeiramente uma sexta feira 13. Para nós todos, europeus.

PS. Ganham todos aqueles que acham, defendem e propõe que o problema do aumento do preço dos combustíveis se resolve com uns subsídios à direita e uns apoios à esquerda. Mas será uma vitória de Pirro. Senão, veremos.

12 comentários:

  1. Pequena correcção: Os irlandeses foram votar em maioria. 53% dos eleitores.

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  2. Discordo em absoluto do que afirma o Ventanias. Ninguém perdeu coisa nenhuma, espero que os dirigentes europeus ganhem mais juìzo e seguramente Portugal ganhou por não perder o que o Tratado reformador lhe queria tirar. Essa conversa de que uns poucos bloqueiam uns milhões é rasteirinha, homem, isso não é anàlise à altura do seu recente grau académico de mestre. Então o Ventanias não sabe que basta um sò paìs recusar a ratificação para que o acordo morra? Esta Europa foi construida com essa regra de ouro e é essa regra que é o pilar do consenso e da paz.Se quiser fazer uma outra europa, faça-a, mas não misture as històrias e sobretudo não conte com o apoio dos cidadãos europeus pois jà 3 povos se pronunciaram contra essa Constituição, chame-se ela reformadora ou "simplificada".

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  3. Discordo do Sr. Mestre!
    Pela primeira vez verifico que há nesta Europa um povo que não "vende" o seu voto nem por umas febras e tintol, nem tão pouco por uma educação e formação por mais que devessem essa situação à "bondade" da mesma CE...
    Ora isto, nos tempos que correm é uma boa notícia. Excelente, de todo!
    Quanto ao nome do Tratado, até já começo a desconfiar de tanto "alfacinha" por atacado...
    Será influência do Rui Rio nas Marchas deste ano?!...

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  4. A História da criação da Comunidade Económica Europeia com o seu espirito de livre adesão e mercado livre, não tem nada que ver com esta União Europeia burocrata, plutocrática de funcionários e dos seus interesses,que se movem pelos corredores de Bruxelas e Estrasburgo, que destruiram a capacidade e a livre iniciativa europeia nos últimos 20 anos.
    Desculpe Ventanias, mas não foi verdadeiro no expressar da sua posição, e até me atrevo a dizer mais, a sua confusão foi propositada, mas não duvide nem por um momento que os eleitorados dos 27 dariam um rotundo Não, a este texto de "Secretaria" que as elites governantes pretendem impor aos Povos Europeus.

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  5. Pequeno esclarecimento: os irlandeses não foram votar em maioria,, foram mesmo menos de 50%. Dos que votaram é que houve 53% que votaram contra. Vale o que vale, mas foi assim.

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  6. Vale muito pouco, é certo, mas dos 3,051,278 eleitores, foram 1,621,037 votar (53.13%). Desses, 862,415 votaram não (53.4%).
    Foi portanto uma maioria dos eleitores votar, ao contrário do que diz no seu texto.
    Dados aqui.

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  7. "Assim se começará a desmontar o que se foi construindo nestas últimas cinco décadas"

    Cito o Ventanias para que ele se aperceba da fragilidade do que foi "construído" nestas últimas 5 décadas. No fundo, um verdadeiro castelo de paredes finas feitas de areia, que à mais pequena mareta cai.

    Desta vez, os burocratas construtores desta europa fabricada em gabinetes tentaram fazer o castelo "longe da praia" para nem sequer o sujeitar à mareta. Por isto entenda-se a decisão orquestrada de na maioria dos estados membros não submeter o tratado a referendo.

    Mas, felizmente, há um povo na europa cujos governantes têm vergonha na cara e não se esquecem que a sua fidelidade é devida, antes de mais, a quem o elegeu. Não foram em modas e submeteram o tratado a referendo, tendo o resultado sido o tal que os demais estados membros temiam caso optassem por fazer o referendo que, em muitos casos, se haviam comprometido com os seus povos. Tiveram o Não e assumiram-no.

    Eu também não sou irlandês, nem quero ser, mas que gostava de ter governantes em Portugal como os que têm os Irlandeses, ai isso gostava. Eles têm o que falta aos nossos: Carácter.

    É por estas e por outras, caro Ventanias, que você em rigor não tem razão na sua frase que acima transcrevi, porque em rigor o "que se foi construindo nestas últimas cinco décadas" só existe vardadeiramente em alguns gabinetes e nas cabeças de quem não conhece a porta que os mesmos têm a dar para a rua.

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  8. Caro Michael Seufert, obrigado pela correcção.

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  9. Caro Afm,

    1º Eu também defendi, aqui por exemplo, que se fizesse referendo em Portugal. Quanto a isso até posso concordar com a sua argumentação.

    2º O que eu discordei, já então, tanto para referendos em Portugal como na Irlanda ou qualquer outro País, é quanto às consequências de um referendo a um Tratado negociado a 27 (neste caso). E discordo porque quem vota não não sofre as consequências, antes as impõe a outros - e isto independentemente do método de ratificação. Por conseguinte, para mim a pergunta legítima a fazer num referendo destes, deveria implicar a opção por ficar de fora; quem não quer participar, deve assumi-lo e deixar os outros continuar o seu percurso. Isso é que é ser responsável.

    3º Pode ser fácil ou até politicamente correcto descrever o que foi construído nestas últimas cinco décadas como "no fundo, um verdadeiro castelo de paredes finas feitas de areia, que à mais pequena mareta cai". Será até a sua respeitável opinião.

    Mas não corresponde minimamente ao que se conseguiu. O assunto é vasto e seria penoso abordá-lo aqui extensamente. Deixo-lhe apenas os aspectos que mais valorizo: a Paz no Continente; a "reunificação" do Continente; os apoios ao desenvolvimento português e à estabilização da nossa democracia, na sua infância; o enquadramento do modelo de desenvolvimento do País; o facto de termos estruturas comuns que vão resolvendo e regulando a grande maioria dos problemas e dos sectores económicos, em condições de igualdade entre Estados membros que, de outra forma, seria dificilmente imaginável. Não é tudo, mas é suficiente. Pelo menos para mim.

    É a minha opinião. Espero que também seja respeitável.

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  10. Meu caro Ventanias,

    A sua opinião é sempre respeitável e foi sempre respeitada por mim. Mesmo (ou sobretudo) quando discordamos.

    E é verdade que muitas vezes até discordamos, por exemplo, quando você considera a UE causa de tudo o que considera positivo (que isso sim, é ser-se politicamente correcto. Dizer-se o contrário dá até lugar a "crucificações" em praça pública) e quando incorre em petições de princípio, isto é, quando dá por demonstrado o que se propõe demonstrar.

    Dou-lhe um exemplo, muito mais do que a UE (na actual designação) contribuiu para a paz na Europa a Nato e a circunstância histórica do fim dos impérios coloniais... mas não diga que eu disse isto ou não faltará quem queira "crucificar-me";
    E lanço-lhe um desafio, diga-me em que conflito ocorrido nos últimos 50 anos (i.e., pós 2ª GM) a UE teve um papel determinante ou, sequer, na maioria dos casos, agiu de forma concertada. Aqui pode dizer que eu disse isto pois neste domínio nem os mais acérrimos europeístas se têm atrevido a apontar um único feito digno de registo.

    Quanto à regulação comum dos vários sectores económicos, desculpe, mas se há prática desastrosa da UE é aqui, mas farei minha a sua atitude e direi que tratar as políticas comuns aqui seria fastidioso e desadequado, além de que alguém ainda me responderia a defender a PAC e o abate da frota pesqueira, exercício esse sim desadequado.

    Quanto à minha infância, que você considera ter sido feliz e vivida numa democracia estabilizada por causa da UE e que eu far-lhe-ei o favor de não interpretar como um "argumento de idade", deixe que lhe diga que, embora reconheça a melhoria de muitas infra-estruturas graças a fundos comunitários, preocupa-me muito mais a infância do meu filho numa Europa como a que se está a construir e cujos estados são governados por políticos para quem a "construção" europeia é um fim em si mesmo. Sabe quem eles são? São os que abandonam mandatos de PM a meio e os que consideram que o sucesso da sua própria carreira política depende do sucesso do Tratado de Lisboa.

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  11. Peço licença para precisar: a infância a que me referia era a da democracia...

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  12. Sim senhor, fica registada a precisão feita ao texto.

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