Ao cumprirem-se, hoje, 100 anos sobre o assassinato do Rei D.Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe, parece chegado o momento de a Nação se reencontrar com um dos seus mais abafados espectros.
Ao longo de infindáveis décadas, o Regicídio nunca foi visto como um acontecimento superior, sob o ponto de vista histórico, ou mesmo inexplicável e infame – seja-se monárquico ou republicano. 900 anos de um regime, 34 soberanos aclamados, séculos de um regime que se fundiu com o próprio país, soçobram ante as balas de sangue de uma Winchester.
A República, bem como o Estado Novo, promoveram as virtudes da chamada ética republicana, e nunca permitiram que medrasse o mais leve resquício de memória por um regime que, aparentemente, estava caduco e morto.
E, tal como o Zé Povinho, de D. Carlos, no inconsciente do povo, parece ter ficado a imagem do rei anafado e fumador, bom vivant e dandy, das imagens satíricas de Raphael Bordalo Pinheiro. Apagou-se a personalidade culta, a faceta de estadista comprometido com o seu povo. O Rei diplomata.
Todavia não se poderá justificar tal distanciamento da nação ao seu Rei, pela simples propaganda jacobina. Há algo que ressalta dos relatos que até hoje nos chegaram dos jornais publicados ao tempo. Havia uma certa acomodação, um certo desapego do povo de Lisboa ao seu Rei.
Por outro lado, e curiosamente, do lado da Família Real, houve sempre uma entrega permanente ao povo português, tanto por parte do ex-soberano D. Manuel como de sua mãe, D. Amélia. Uma fidelidade e dedicação virtuosa e genuína que superou um tão negro acontecimento (veja-se, por exemplo, intervenção diplomática de D. Manuel II e D. Amélia durante a I Grande Guerra).
Há algo, de facto, que está para além dos acontecimentos. Como muito bem refere José Gil no seu "Portugal, Hoje -o medo de existir", para os portugueses: "Os acontecimentos não influenciam a nossa vida, é como se não acontecessem. Por exemplo, quando uma pessoa ama, esse sentimento não afecta a outra pessoa, objecto do amor. Quando acabamos de ver um espectáculo, não falamos sobre ele. Quando muito, dizemos que gostámos ou não gostámos, mais nada. Não tem nenhum efeito nas nossas vidas, não se inscreve nelas, não as transforma."
Isto é, na verdade, um facto tão infame não se inscreveu na consciência colectiva nacional. O reino, ou a futura república, a tudo assistiu, serena e placidamente, como se não passasse de um infortúnio, meramente, virtual. Não reagiu.
Mais, permitiu, até, que tal se silenciasse, por décadas a fio.
Todavia, o facto persiste, indelével, na sua memória. Na sua alma. E, parece que se começa a reescrever a realidade - de uma forma mais serena e embedida em verdade - sobre um regime, sobre um tempo, e sobre Homens que serviram a Pátria.
Mas o mais curioso é, contudo, notar que, apesar de a memória dos acontecimentos estar distante, ainda desperta inesperados rancores.
E, volvido um século, mais uma vez a Nação, unânime, por meio dos seus representantes, vedou uma simples homenagem – não a nenhuma personagem da cultura, das artes ou do espectáculo, ou da política – a um dos seus soberanos (que, por acaso, foi bárbara e cobardemente assassinado). A Pátria silenciou. Na morte, como depois dela, D. Carlos foi alvejado por uma coronha de esquecimento.
Porque, apesar da alma da Monarquia e o espectro do Rei, serem algo de tão longínquo e distante, parecem estar suficientemente perto para, uma vez mais, serem lembrados. E todo o arco Parlamentar, ao ficar refém da proposta do Bloco, mais não fez do que ser coerente com a vénia que o país, tanto na I República como com Salazar, sempre negou ao legado da monarquia liberal e constitucional.
Resta-me uma inquietante dúvida: porquê?
Muito bem, Daniel, muito bem...
ResponderEliminarOs meus sonoros aplausos!
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