quarta-feira, janeiro 23, 2008

Estrelinhas

Fui ver o “Sonho de Cassandra” do Woody Allen que acabou por me lembrar aqui e acolá o Match Point, se bem que este tem uma genialidade que me pareceu estar ausente no Sonho de Cassandra. O mais importante no Sonho de Cassandra é a forma como dois irmãos lidam com as suas consciências depois de terem morto um homem, um com o à vontade próprio de quem enfrenta uma inevitabilidade da vida, o outro como um obstáculo insuperável que o abafa e que o tortura, e que não lhe permite continuar a viver para além do mal que causou. Esta questão da consciência individual também é uma das questões centrais do Match Point, mas que fica oculta, sem resposta, a pairar no fim do filme, quando Chris olha a sua família reunida e intacta, e não se percebe bem se vive impertubável com o que fez, e acaba por ser premiado pela sorte de não ter sido descoberto, ou se sofre afinal o castigo interior de quem tem que responder todos os dias da sua vida perante a sua consciência (mesmo que ela não o conduza até à justiça dos homens como sucede com o Raskolnikov do Crime e Castigo que ele lê no princípio do filme) caso em que o não ter sido descoberto acaba por não ser sorte tão grande assim (no Sonho de Cassandra um dos irmãos quer-se entregar à polícia porque não consegue viver com o remorso). O Match Point é um filme que obriga a pensar muito, e sobre muito mais coisas do que este Sonho de Cassandra, até porque "joga" desde o princípio com a questão da importância da sorte e do azar, com a questão de saber o que conduz o destino humano, se a escolha de cada um, ou o inevitável, o aleatório, a fatalidade do destino, o que é sempre um pensamento perturbante. Se como se diz nos primeiros instantes do filme mais vale ter-se sorte do que ser-se bom, pelo que somos verdadeiramente responsáveis, ou o que decidimos verdadeiramente nas nossas vidas? Não sei quase nada de cinema, e nem sequer simpatizo com aquelas estrelinhas com que os críticos da sétima arte enfeitam os seus textos, mas este último filme do Woody Allen pareceu-me uns furos abaixo do seu anterior Match Point.

6 comentários:

  1. Cara Paula,

    Concordo em absoluto com o que escreveu sobre aqueles dois de três filmes que Woody Allen fez no seu périplo britânico. Não sendo um fã do estilo WA (quase que antes pelo contrário...), dos três o filme que menos gostei foi o Scoop, se calhar por, justamente, caber mais no tipo WA.

    Por outro lado, tendo gostado imenso do Match Point (também eu aí encontrei momentos de genialidade onde normalmente esta se encontra, isto é, nos detalhes) e sendo o Cassandra um filme muito na mesma linha daquele, torna-se inevitável a comparação. E na comparação o Cassandra, inevitavelmente, perde.

    Há só um aspecto que se calhar não focou na sua posta TANTO QUANTO ressalta na comparação entre os dois filmes e que, em meu entender, contribui decisivamente para que o Match Pois seja "especial". Enquanto no Cassandra o conflito de estados de espírito dá-se entre duas pessoas com personalidades muito diferentes (embora a ligação entre as personalidades de cada um e a respectiva reacção também entre em jogo), no match pois esse conflito é interior (A invocação do Crime e Castigo não é acaso). Isto apicanta as coisas e torna-as mais interessantes pois acaba por tratar de uma forma mais incontornável aquilo que está no centro dos dois filmes, a natureza humana.

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  2. É verdade que no Match Point o conflito é interior, e fica por se saber como foi resolvido...mas ele pode acabar por ser exactamente o mesmo que tem lugar "à vista" entre as personalidades dos dois irmãos: em suma, ou se tem consciência e se é consumido por ela, ou não se tem, e vive-se muito bem com as vantagens que o crime trouxe e com a sorte de não se ter sido descoberto, não é? E a invocação do Crime e Castigo não me parece que tenha sido um acaso no Match Point até porque a similitude entre personagens é grande. Mas também pode ter sido... se foi, isso até seria um golpe de génio do WA ao levar-nos a fazer associações onde elas não existem! O Crime e Castigo no princípio do filme seria só mais um acaso no meio de outros tantos que se sucedem pelo filme fora, já que, bem vistas as coisas, o Match Point até fala mais de acasos da vida do que propriamente de consciências. Só perguntando ao Woody...:-)

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  3. Tem razão quanto diz que o Match Point anda muito à volta dos acasos da vida (representado, p/ex., na imagem da bola de ténis que bate na tela da rede e, caprichosamente, cai para um lado ou para o outro), embora esteja presente ao longo de todo o filme a dialéctica interior vivida pela personagem central sobre o que fazer (p/ex., as promessas feitas à amante de pôr fim ao casamento, a falta de coragem em frente à mulher para o fazer e as justificações dadas à amante para não o ter feito). Aliás, o que este filme tem em comum com o Cassandra é a questão do assumir/não assumir as consequências dos respectivos actos e não os acasos da vida ou sequer a questão da consciência pós-acto, pois isso, como referiu e bem, no Match Point acaba por quase não ser tratado.

    De resto, acho que tem razão, o melhor será convidar o Woody para vir ao Nortadas e pôr tudo em pratos limpos.

    Um beijinho:)

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  4. Só mais uma coisinha: acerca de acasos da vida, ou de como um momento pode decidir de uma vida, adorei o filme Sliding Doors (embora a ideia acabe por não ser devidamente aproveitada, quanto a mim, na sequência do filme) em que a vida de uma pessoa muda por completo consoante consegue, ou não, apanhar o metro numa determinada manhã. Se pensarmos bem, todos conseguimos identificar minutos nas nossas vidas em que tudo podia ter ficado completamente diferente, ou mudou por um nada, e isso não sei porquê é uma das interrogações que mais vezes me ocorre - quando me dá para filosofar :-) - quando me ponho a pensar no que vale a vontade de fazer coisas e de as mudar perante rumos mais do que pre determinados de vida ou condicionados pelo factor aleatório. Mais uma vez acho que uma conversa sobre o Woody acerca destes assuntos podia ser interessante! Um beijinho e bom dia de trabalho :-)
    Paula

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  5. É verdade, a todos nós já aconteceram acasos na vida que mudaram tudo. Às vezes de uma forma negativa, outras felizes acasos. Para estes os ingleses têm uma palavra. Serendipity, que inclusivamente já deu o título de um filme, embora incomparável com os que aqui estivemos a falar.

    Um beijnho e bom trabalho para si também - o melhor é mesmo trabalhar antes que uma amiga comum nos acuse de não fazer nada e passar os dias no Nortadas.

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  6. Ups! Quem será a amiga!? beijinhos :-)

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