quarta-feira, dezembro 19, 2007

O referendo do Tratado de Lisboa, uma faca de dois gumes

Apesar do que ficou dito no meu post anterior, sobre o Tratado, justifica-se um referendo ao Tratado de Lisboa?

Sim. Desde logo porque a classe política portuguesa o prometeu, ainda por cima com o argumento de que a opção europeia nacional necessitava dessa legitimação. Mais ainda porque este Tratado de Lisboa retoma, no essencial, as novidades que o projecto de Constituição introduzira, por muito que muitos o queiram menosprezar e apesar de todas as salvaguardas que alguns conseguiram introduzir. Principalmente porque há várias e importantes novas áreas em que Portugal, e os outros Estados Membros, abdicaram do seu direito de veto, assim aceitando uma nova afirmação da supranacionalidade - oxalá no futuro sejam coerentes com essa opção de agora.

Mas acima de tudo, justifica-se um referendo porque a Europa não pode nem deve ser construída contra a vontade dos seus cidadãos - por muito que o receio de poluição do debate com as questões internas, amedronte os líderes dos Estados Membros.

Porém, um referendo sobre matérias europeias sofre de um risco que convinha eliminar de qualquer referendo nacional: o da sensação de impunidade. Na verdade, os referendos europeus tem sido, nos casos que conheço, uma excelente oportunidade para uma cambada de oportunistas, nacionalistas, alternativistas, saudosistas de esquerda e de direita e outros tantos desesperados, promoverem o não, sem sequer terem de se preocupar em propor uma qualquer alternativa, sem muito menos terem de explicar que solução propõem, e sob a falácia de que não há consequências para quem vote não.

O problema é que há consequências. A principal e mais inaceitável de todas, é que por essa via se impõe a vontade de um povo à vontade das restantes 27 nações europeias. No actual estádio de integração europeia, esta consequência parece-me não só inaceitável como indesejável. Tanto que o próprio Tratado prevê que, no futuro, passe a ser de outra maneira.

Na verdade, quem, em boa consciência, pode garantir que os franceses, ou qualquer outro povo europeu, votariam contra a constituição se acaso lhes tivesse sido perguntado se aceitavam a evolução dessa constituição ou preferiam abandonar o projecto? É que ser contra sem pagar, não oferece risco; ser contra e pagar é muito mais sério, responsabiliza. E, por outro lado, não seriam os líderes políticos igualmente responsabilizados e obrigados a defenderem as suas verdadeiras opções, se a consequência de um não fosse o abandono, ou a despromoção (por exemplo para o espaço económico europeu, onde paira a Noruega) para um estádio anterior da integração?

Por conseguinte, defendo o referendo, mas um referendo responsável, que implique consequências para as opções defendidas e escolhidas (por exemplo com uma pergunta do tipo: "aceita que Portugal continue a participar no aprofundamento do processo de integração europeia, nos termos propostos pelo Tratado de Lisboa?"

Por estas mesmas razões, gostaria de ver o CDS defender um referendo que implicasse o abandono do processo de integração europeia, caso as pessoas preferissem não aceitar a evolução proposta pelo Tratado de Lisboa.

E que, do mesmo passo, eliminasse do discurso de alguns comentadeiros nacionais a hipócrisia de pretender que Portugal poderia impor sozinho uma solução diferente aos restantes 26 Estados europeus - votando não e obrigando-os a aceitar o actual estádio de integração. Por muito boas que sejam as soluções de cada um, quando se aceita negociar soluções comuns tem de se aceitar que a solução final nunca será somente a desejada quer por uns, quer por outros; há-de ser sempre um compromisso possível. Foi assim que a Europa se fez, há-de ser assim que a Europa se há-de continuar a fazer.

É possível uma Europa melhor. Basta querer!

3 comentários:

  1. Agora percebi tudo: o Ventanias é um heterònimo do Vital Moreira. "Sim ao referendo, mas jà te aviso, que dizer 'não' é ser expulso do clube. Vai là votar responsavelmente!"

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  2. Não, não sou. Aliás, ainda nem conheço a posição do Vital Moreira. Do que não gosto é da falácia de que votar não, não tem consequências.

    Não só as tem, como se viu pelo resultado do referendo francês, como sobretudo não gosto da ideia de ficar dependente do resultado de um qualquer referendo na Letónia...

    Quero que a minha decisão, i.e., do meu País, só a mim, i.e., ao meu País, diga respeito!!!

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  3. Como diria o treinador do nosso clube; Uma faca de dois legumes.

    Abraços

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