Quando terminei o curso de direito era habitual os advogados, pelo menos aqueles junto dos quais procurei estágios, dizerem que "no curso de direito não se aprende nada, a verdadeira aprendizagem vem agora; no curso apenas se aprende a pensar sobre o direito".
Esta frase, que pode parecer muito simplista, revela uma sabedoria profunda sobre a qual vale a pena reflectir. Na verdade, qualquer curso superior tem como principal função dotar o estudante dos instrumentos, técnicas e conhecimentos suficientes para que, mais tarde, como profissional dessa área o mesmo estudante possa vir a executar capazmente as tarefas que o exercício dessa profissão exige. Porém, a forma do exercício dessas tarefas, os métodos utilizados e até os truques dessa profissão só se aprendem na prática, exercendo de facto essas tarefas, nas circunstâncias específicas de cada situação.
As mais das vezes, esse exercício varia muito de empresa para empresa, de cidade para cidade, enfim, do contexto concreto em que essa profissão é exercida.
Do que fica exposto, que julgo será pacífico, decorre naturalmente a principal conclusão que me interessa salientar - na perspectiva do futuro da Nação, numa desejável sociedade do conhecimento: os conhecimentos necessários ao exercício das profissões, para a grande generalidade dos trabalhadores, são muito inferiores ao que tradicionalmente se pretendia incutir nas universidades.
Mais; há muitas profissões que podem ser exercidas sem nunca ser necessário aprofundar mais do que um nível genérico de conhecimentos. Nestes casos, a especialização far-se-á no próprio local de trabalho, através do exercício de funções concretas que requerem a aplicação prática de parcelas desse conhecimento genérico (saber-fazer) e uma capacidade abstracta de enquadrar o exercício dessas mesmas funções - capacidade esta que, salvo no que diz respeito à capacidade de pensar a profissão (saber), não deve ser adquirida na universidade mas sim, anteriormente, no liceu (onde se deve aprender a comunicar correcta e adequadamente, a perceber o mundo que nos rodeia, em especial no que respeita a números, e a situar-se no tempo, na natureza e no espaço, para se poder saber quem se é).
Por outro lado, ao ritmo a que a informação vai sendo criada, já hoje em dia, e à velocidade a que novos conhecimentos vão sendo divulgados, surge de facto uma necessidade de se criar novo conhecimento, em áreas cada vez mais específicas, aprofundando e desenvolvendo o conhecimento pré-existente. Não só porque isso aumenta o volume de conhecimento e informação ao dispor da Humanidade, mas sobretudo porque esse é o terreno fértil em que germinam as novas soluções, quer tecnológicas quer em oportunidades de negócio. E, em última análise, é assim que se assegura o progresso e o aumento da qualidade de vida.
Resulta de quanto afirmei, e dos posts anteriores, que Bolonha é, neste contexto, uma grande oportunidade. Para simplificar os percursos de acesso ao mercado de trabalho, para aumentar a empregabilidade dos recém-formados, para assegurar uma urgentemente necessária maior ligação entre a universidade e os mercados de trabalho.
Reconheço que o aproveitamente pleno desta oportunidade implica uma verdadeira revolução cultural. Não no sentido de reformatar os cursos existentes em cursos de acordo com o novo método, mas sim no sentido de permitir à universidade em geral modernizar-se e integrar-se melhor no mundo a que já pertencem, quer queiram quer não, os estudantes. Por mais que se estude, mais tarde ou mais cedo toda a gente tem de ganhar a vida; ou herda ou terá de trabalhar - o que creio continuar a ser a única opção da grande maioria dos portugueses.
Esta oportunidade implicará também uma grande mudança de atitude no que respeita à futura constituição dos corpos académicos, sobretudo nos cursos tradicionais.
Cada vez mais se caminhará no sentido de corpos docentes em exclusivo, que apenas ensinam e investigam.
Cada vez menos a pertença a um corpo docente será um mero acelerador do percurso profissional de cada um, no sentido em que propicia a acumulação de funções e o correspondente aumento da remuneração.
Cada vez mais a pertença a um corpo docente fará parte do percurso profissional de cada um; poderá acontecer imediatamente após o fim da licenciatura, possivelmente enquanto se prepara um doutoramento ou outra qualquer pós-graduação, ou mais tarde, até em final de carreira, quando o profissional regressa à universidade para partilhar a experiência adquirida e contribuir para a melhor formação dos novos, ou quando ali volta para prosseguir o seu percurso de especialização.
Cada vez mais as empresas virão à universidade buscar especialistas, para o desempenho de funções avançadas, de entre aqueles docentes que adquiriram reputação no mercado.
Como já acontece lá fora, especialmente nos países nórdicos e anglo-saxões.
Tudo isto são etapas de processos muito dinâmicos. Como é a realidade actual. Como serão as boas universidades do futuro. Como serão a maioria dos percursos profissionais do futuro.
Bem sei que representará, quando concretizado, o fim das mordomias de que tem beneficiado os senhores professores doutores, que acumulam 4 e 5 empregos, ressarcindo-se assim multiplicadamente dos investimentos que fizeram no acesso e manutenção das oligarquias a que pertencem. Mas isso corresponde a uma verdadeira democratização da sociedade. É muito positivo.
Além de que, com franqueza, de mordomias e da sua defesa se tem construído a imoralidade sócio-económica do nosso País. Que morram em Paz.
É possível um Portugal melhor. Basta querer.
Esta república está cheia de oligarcas. De democracia só tem o nome.
ResponderEliminarBolas, que este gajo é chato...!
ResponderEliminarCaro Ventanias,
ResponderEliminarMais uma vez concordo plenamente consigo. A democracia ainda n�o entrou nas Universidades, nem nos Tribunais, nem na maior parte das institui�es da nossa sociedade. Tamb�m espero que Bolonha traga isso. Repito o que disse no outro post: Tudo o que seja mudar este sistema, h�-de ser sempre para melhor! O respeito por argumentos de autoridade e a submiss�o �s oligarquias nas Universidades estancou a criatividade. O mercantilismo do conhecimento acad�mico foi o factor que mais abandalhou as Universidades,n�o � Bolonha. O REI EST� NU h� muito tempo...