terça-feira, outubro 16, 2007

Elites, empréstimos e panelinhas: a hora dos reguladores

Já todos sabemos que há dois Portugais, um de nós todos, da grande maioria, e outro dos filhos (e dos pais, padrinhos e afilhados) do sistema. Nesse Portugal do sistema abundam os empregos, ou melhor tachos, considera-se que cinco mil euros é pouco para viver razoavelmente ao mesmo tempo que se defende a impossibilidade de se aumentarem os salários mínimos, resolvem-se problemas com um mero telefonema.

Ficamos agora a saber que, nesse Portugal, os bancos concedem empréstimos sem exigir garantias e depois "perdoam as dívidas" com facilidade, em prejuízo dos accionistas, que são "apenas" os donos do banco, os investidores na sua rentabilidade e os financiadores da sua actuação - que é, afinal, a razão económica porque os bancos são necessários.

E são estes senhores que depois defendem a necessidade de "preservar os centros de decisão nacionais" - pudera, estão a pedir que o estado lhes financie os lugares...

Esse Portugal precisa de ser escrutinado. E punido quando se conclua que se "portou mal".

Esse Portugal tem beneficiado, até agora, de uma panelinha em que ninguém é punido nem fiscalizado. É imoral.

Acontece que uma parte desse Portugal é paga precisamente para fiscalizar; são os senhores bem pagos da CMVM e do Banco de Portugal. O trabalho deles é precisamente o de verificar que os bancos não "favorecem" ninguém, muito menos os amigos ou parentes próximos dos membros do Conselho de Administração; em especial se isso for feito em prejuízo dos accionistas.

Mais importante ainda, é que se não se punirem este tipo de comportamentos confirma-se o que perguntava espantado um amigo estrangeiro, depois de ter conhecido o funcionamento dos grandes escritórios de advocacia de Lisboa: afinal há muito nepotismo no teu país!? Imaginem a minha vergonha...

Muita da credibilidade do sistema financeiro português jogar-se-á no cabal esclarecimento destas questões do BCP. Essa responsabilidade cabe essencialmente aos reguladores. E depois aos accionistas. Joga a favor desse cabal esclarecimento o recente aparecimento de um accionista activista, como é o caso de Joe Berardo. Veremos se é condição suficiente.

7 comentários:

  1. Este escândalo pode não ser virgem na banca portuguesa. A permissividade gera isto e muito mais.

    Há uma técnica de fuga ao fisco que consiste em vender por preço simbólico a familiares empresas de um mesmo grupo; esta "dação" (muito embora o progenitor diga que nada sabe - esta ignorância é pouco credível e pouco abonatória para quem controla tão bem o seu império...), é de uma gravidade tal que afecta o próprio bom nome e reputação de toda uma actividade respeitável como é a Banca!

    Caír no olvido esta situação é (será...) de bradar aos céus... e até aos infernos!

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  2. Infelizmente, o BCP que nasceu e foi na sua "adolescência" um banco moderno, diferente, arrojado e vencedor, chegado à altura de crescer, engordou.

    Isto viu-se na novela mexicana "A luta pelo poder". Isto viu-se no "puxão de tapete" aos seus accionistas mais pequenos a quem levaram a comprar acções do banco financiadas com a promessa que em 1/2 ano as mesmas duplicariam de valor, com o resultado que se viu. Isto vê-se nas notícias agora vindas a público de empréstimos milionários e respectivos perdões de dívida, justamente A QUEM, MAIS DO QUE A QUALQUER OUTRO, A DÍVIDA NÃO PODIA SER PERDOADA.

    Deus queira que me engane mas vejo aqui um sintoma de um mal de que padece a classe empresarial Portuguesa na sua generalidade. O da sua incapacidade de saber crescer e se manter grande.

    E Deus queira que me engane porque se até esta parte eu depositava na sociedade civil e empresarial a esperança de contrariar um Estado inepto e incompetente que temos, se vier a confirmar que nem essa nos vale então mais vale que nos "apresentemos aos credores", pois não temos mesmo emenda possível.

    De momento não digo mais nada. Palavras para quê?? Resta-me esperar e ver em que é que isto dá, sendo que se não der em nada... deu em merda!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. O estranho já é normal. Estamos em Portugal.


    http://monarquico.blogspot.com/

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  5. Nada disto é imoral. Quando muito, é amoral, o que é muito diferente. É precido recordar que a banca é privada. O dinheiro é deles - é mais deles do que dos depositantes (incautos, no caso do BCP) - e por isso devem fazer dele o que lhes apetecer. Só não o podem queimar porque isso é punível por lei. O BCP ofereceu 12 milhões ao filho do patrão. E o que é que nós temos a ver com isso? O que temos, e muito, a ver com isso é se o governo decide privatizar, por exemplo, a Segurança Social e o dinheiro que é de todos vai parar ao sistema privado. Se isso acontecer, já temos todos a ver com os 12 milhões do filho do patrão. Mas, como imagino que é um liberal e que tenha como certo que os privados fazem sempre melhor que o público, com ceretza não vai concordar com nada disto. A.F.S.

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  6. Primeiro, sou de facto um liberal porque acredito que, na maioria das coisas e desde que haja transparência (coisa que num banco é difícil) e igualdade perante a lei (o que depende do estado da justiça, mas isso é outro problema), nessas condições acredito que o mercado é quase sempre a melhor maneira de encontrar as melhores soluções, individual e colectivamente, aos melhores preços.

    Segundo, a questão da Seg. Social é um outro problema que não obedece totalmente às condioções de funcionamento do mercado, pelo menos em Portugal; mas que podia recorrer muito mais ao mercado, não tenho dúvidas.

    Terceiro, o capital ser privado. No BCP o capital é de facto privado, mas em condições que sempre subordinaram os desejos dos accionistas, fornecedores do capital, aos ditames do conselho de administração. E não foi assim por acaso; foi assim porque os administradores assim o quiseram, em particular Jardim Gonçalves, e por isso impuseram um ritmo de crescimento ao banco que impediu os accionistas de manterem um controle apertado.

    Finalmente, acontece que isso não aconteceu por acaso. Na verdade o Estado é corresponsável pelo que aconteceu na banca em geral e no BCP em especial - a célebre história da defesa dos centros de decisão nacional muito favoreceu o BCP, assim como a defesa da concorrência no sistema não foi seguramente a maior das preocupações quando se permitiu a concentração acelerada de que o BCP foi um dos principais autores.

    E por isso chegamos agora a uma situação em que resta aos reguladores fazerem o que devem. Veremos.

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  7. AH, desculpe, faltou o imoral.

    Seria amoral se o mercado funcionasse normalmente, isto é com a preocupação exclusiva de maximização do valor do capital, que é um dos principais motores da criação de riqueza e de inovação das economias.

    É imoral porque há demasiadas interferências no funcionamento do mercado, normalmente para o favorecimento dos poucos em detrimento dos muitos. Muitas vezes sem justificação, como é o caso nesta história do perdão a filhos de presidentes de conselhos de administração.

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