segunda-feira, outubro 08, 2007

Educação e Bolonha

Recentemente lia num livro curioso, "Breve história do saber", sobre a morte da ideia renascentista de Universidade e de Homem. No fundo, uma ideia simples e de bom senso que a todos deveria aparecer evidente: a possibilidade de abarcar todo o conhecimento da Humanidade com um mero curso superior está esgotada de há várias décadas para cá. As consequências desta constatação são inúmeras e decisivas, quer para a Universidade, quer para os estudantes universitários, quer sobretudo para o futuro da Educação - pelo menos da superior - e, portanto, dos países e seus povos.

Na verdade é hoje evidente que a profusão das áreas de conhecimento e a profundidade dos conhecimentos em cada área tornam inviável a ideia de que a Universidade deve cumprir um papel universalista de produção de indivíduos ecléticos e eruditos, capazes de se pronunciar inclusivamente sobre uma grande generalidade de assuntos. Sob pena de se saber muito pouco sobre tudo e quase nada sobre alguma coisa - muitos de nós teremos conhecimento anedótico de amigos, colegas ou conhecidos que chegaram a universidades estrangeiras para seguirem programas de pós-graduação e foram capazes de impressionar colegas e professores por saberem alguma coisa de muitas coisas e que subsequentemente se impressionaram por não saberem muita coisa sobre nada.

Quem não compreender isto, não compreende o desafio que a "era do conhecimento" coloca às nações e ao desenvolvimento económico.

O advento da democratização do ensino vêm ainda agravar as consequências desta constatação de facto. Na medida em que mais pessoas, possivelmente muitas originárias de ambientes culturalmente desfavorecidos, tenham acesso à universidade, a possibilidade de estas incutirem nos estudantes o gosto pelo conhecimento enciclopédico esgota-se rapidamente, na proporção directa em que destrói a possibilidade de formar especialistas, capazes de produzir conhecimento em áreas específicas.

Ora, é este último o papel principal da Universidade moderna e é por esta razão que o processo de Bolonha assume importância tão decisiva na preparação do futuro.

O que se espera das Universidades actuais é que consigam, em primeiro lugar, preparar trabalhadores especializados para o mercado. Indivíduos capazes de produzirem a níveis elevados e de colherem, por isso mesmo, os frutos da inserção numa sociedade moderna, baseada no conhecimento - em particular no que respeita aos níveis de remuneração e criação de riqueza (produtividade).

Em segundo lugar, as Universidades devem seleccionar os mais capazes, para os seduzir para a criação de conhecimento novo, que é o objectivo principal das pós-graduações, sejam elas mestrados ou doutoramentos. Esta produção de conhecimento, já não no sentido enciclopédico tradicional nas nossas universidades (mesmo em áreas específicas, esperava-se que os alunos abarcassem todo o conhecimento disponível sobre essa área), mas outrossim nesse sentido mais nobre e simultaneamente prosaico de contribuir, ainda que pouco, para o desenvolvimento do conhecimento total disponível para uma sociedade; é esse o objectivo de uma tese: oferecer uma visão nova ou uma nova perspectiva ou um novo dado ou elemento ao conhecimento existente sobre um qualquer aspecto de uma qualquer área do conhecimento, através de investigação e reflexão; o que em muitos casos só se consegue através da experimentação.

Na medida em que muitas pessoas o façam, também muitas novas peças serão juntas sistematicamente ao conjunto do conhecimento existente.

É esta a lição e o contributo do sistema de ensino anglo-saxónico, em particular americano, das últimas décadas. A sociedade já não precisa de formar sábios, precisa de especialistas.

Infelizmente, não são estes os ecos que me vão chegando da generalidade das universidades nacionais. A adaptação ao processo de Bolonha tem sido sobretudo uma atitude formal, em que não se compreende a realidade actual e se procura compactar o método universitário tradicional em menos anos, quase sempre 4 (quando 3 bastariam para a generalidade dos futuros trabalhadores), continuando-se a apostar na necessidade de abarcar todo o conhecimento sem compreender que isso é impossível e até desnecessário.

Pelas mesmas razões, as universidades apostam claramente na continuação dos estudos universitários para a generalidade dos estudantes, através da multiplicação das ofertas de programas de pós-graduação.

Não é este o caminho do futuro. Aí, as universidades terão de se adaptar à realidade e de compreender que a maioria dos estudantes apenas necessita de um instrumento para poder trabalhar como especialista na sociedade. É aí que se obtêm os rendimentos necessários e a produtividade desejada. É assim que se combate o desemprego e a frustração individual. Para estes especialistas, para a grande maioria, isso bastará, conjugado com a inevitabilidade de aprender ao longo da vida: após anos de especialista numa área, pode vir a ser necessário reconverter-se como especialista noutra área, em função da evolução económica e social.

Para os restantes, o trabalho da Universidade deveria ser ainda mais estimulante. Deveria passar pela própria especialização da Instituição, em áreas onde possa afirmar no mercado a sua superioridade, através de corpos docentes de craveira e relevo internacional, capazes de levarem os alunos a produzirem conhecimento nas suas pós-graduações. Capazes de içarem Portugal ao nível da produção de conhecimento relevante. Susceptíveis de acelerarem o processo de desenvolvimento económico e criação de riqueza da sociedade portuguesa, através da participação em empresas mais ágeis, mais produtivas e mais inovadoras. Como já vai acontecendo nalgumas áreas; sobretudo as ligadas a matérias mais modernas, como a informática.

Por tudo isto, pela urgência da adaptação ao futuro que já se adivinha, o processo de Bolonha deve ser encarado como uma oportunidade que o ensino universitário português não pode desperdiçar. É aí que se vai jogar a qualidade do ensino superior nacional.

Ainda vamos a tempo de o compreender e executar. Não podemos é ficar a debater meios de assegurar interesses corporativos dos professores e das academias em geral, seja na institucionalização da ligação das universidades ao mercado, seja na preservação de postos de trabalho inúteis. É por estas razões que os esforços do Governo actual tem de ser bem compreendidos e apoiados. É por estas mesmas razões que as Oposições tem de compreender o que está em causa e modernizarem o seu pensamento sobre este assunto, contribuindo pela sua parte para a urgente aceleração do processo de transformação (modernização) das Universidades portuguesas. É preciso fazer mais, dotar estudantes e instituições de mais liberdade, mais escolha, mais responsabilidade. É preciso mudar mais depressa.

Aqui fica um primeiro contributo.

Portugal pode ser melhor. Basta querer.

1 comentário:

  1. Caro Ventanias,

    or muitos defeitos que tenha a concretiza�o do processo de Bolonha,como assinalaram alguns comentadores de outro post sobre o tema,sobretudo, por falta de condi�es, para que ele seja eficaz, eu acredito que � uma mudan�a para melhor.O ensino universit�rio estava muito anquilosado em teorias e truques l�gicos completamente desligados da realidade e que n�o preparam ningu�m para a vida pr�tica. Claro que as mudan�as demoram muito tempo a produzir frutos e que professores formatados no sistema antigo v�o continuar a repetir, depois de Bolonha,os mesmos modelos. Concordo com a especializa�o e nem sequer penso como dizem algumas pessoas que empobrece ou afunila os conhecimentos.A pr�pria especializa�o tem um car�cter interdisciplinar e permite juntar informa�es provenientes de v�rias ci�ncias, o que faz avan�ar o conhecimento. E depois sabe,o que faz falta nas Universidades s�o pessoas que tenham experi�ncia da vida e n�o sejam dum paroquialismo limitativo como �s vezes se v�. A sociedade muda todos os dias e as teorias ensinadas nas Universidades t�m d�cadas, �s vezes um ou dois s�culos. Sinceramente,acho que tudo o que seja mudar isto, h�-de ser sempre para melhor, por mais que os velhos do Restelo agoirem o contr�rio...

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