terça-feira, março 27, 2007

O mal estar


Sempre achei um programa como o dos "Grandes Portugueses" uma tonteria pegada. Desde logo porque compara o incomparável, ou seja, homens cujas circunstâncias e épocas são tão díspares que tornam, ab initio, impossível o reducionismo de uma tabelização. Contudo o programa lá se fez e não posso deixar de registar a curiosidade do resultado. É bem verdade que as contingências do mesmo, de vária ordem, não permitem muitas extrapolações. Todavia, algumas são possíveis. A apetência por um programa com aquelas características favorece um público que se deleita com a história factual, a história personagem, das datas, dos feitos e esquece a pequena história, no sentido da Nouvelle Histoire, como lhe chamava Fernand Braudel.
Por outras palavras, o programa favorece, à partida, todos aqueles que se revêem numa história protagonizada por personagens carismáticos e providenciais cujo destino se confunde com o da própria pátria.
No entanto, no resultado alcançado não deixa de ser surpreendente e, por isso mesmo, revelador, que uma esmagadora maioria, 60% mais precisamente, tenha optado pelo voto em Salazar e Cunhal. Tal facto é, prima facie, desolador, perturbador e infeliz. Mesmo o terceiro lugar atribuído a Aristides Sousa Mendes é de pasmar.

Mas se na aparência o score afigura-se-nos bizarro, há dentro dele uma inquietante coerência.

Este público que votou - e os números não são assim tão discipiendos - votou em personagens muito "próximos".

Tanto Cunhal como Salazar ( e mesmo Sousa Mendes) encarnam o ideal de líder, fiel aos seus princípios e ao seu quadro de valores, recto nas suas acções, leia-se, coerentes, determinados, leais, sérios, previsíveis, incorruptos e incorruptíveis, frontais e inconvenientes. Líderes politicamnete incorrectos, que assumiam as suas convicções, sem tergiversações oportunistas.

Posto isto, é forçoso concluir que o voto esconde mais do que aquilo que demonstra a sua literal aparência.

Nos tempos que correm, o móbil da classe política e os critérios que o infundem não são razões de princípio. A luta politica pauta-se pelo calculismo, pelo despudor tacticista, pela intriga palaciana. As identidades entre os actores da cena politico-partidária são infundadas, na melhor das hipóteses, por razões de oportunidade várias. Quando não, mesmo, do mais puro amiguismo militante. Escasseiam as posições de princípio, puro, e se as há, estão inquinadas pela imagem pouco séria das restantes. O ar blasé com que os profissionais da política encaram o seu mester, é apropriado pelo público como um desinteresse que disfarça, desgraçadamente, um arena dominada por fenómenos enviesados de compadrios e conchavos. Numa palavra, em política perdeu-se o sentido do rigor, o sentido da Virtude.

E foi daqui, de onde esta Virtude soçobra, que os votos a foram resgatar onde ela, aparentemente, parece abundar. Em homens cuja postura coerente, firme e convicta nunca foi sinónimo de grandeza de carácter e, sobretudo, de alma.

O voto, não causa, pois, a perplexidade aparente. Não passa, no fundo, de um voto de frustração, um voto de desapontamento, de desilusão, de repúdio, de nojo. Fruto da tão propalada falta de qualidade da Democracia.

3 comentários:

  1. Mas será que já ninguém neste país entende de estatística?
    Será que em vez de debater quem é para os portugueses o maior português, ninguém fala em amostras auto seleccionadas?
    É que este método usado neste caso, nada de científico tem...

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  2. Claro que não tem nada de científico! Todos sabemos que os Salazarentos e os Cunhalóides se mobilizaram para votar.E, mesmo assim, são uma minoria.

    Quem é que se mobilizou para votar nos outros? Ninguem!

    Enquanto a votação nas outras figuras são expontâneas,(quem vota no Vasco da Gama por exemplo, não está á espera de tirar disso dividendos políticos)em Salazar e Cunhal, a votação é ,arregimentada.

    Os rebanhos do costume!

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  3. E agora é de morrer a rir!

    Os Salazarentos dizem que os votos de Cunhal são comprados, arregimentados...

    Os Cunhalóides dizem que os votos de Salazar são comprados, arregimentados...

    Porque se o primeiro lugar é indicativo o segundo, pelas mesmas ordens de razões, tão é!

    Quem é que acredita nisto?

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