quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Um diálogo de surdos ... e a Democracia

Alguns mais atentos terão reparado que tenho andado distante do blogue. Não foi por acaso. Para além de outras razões que não vem aqui ao caso, a verdade é que tenho andado a reflectir numa questão que muito me tem impressionado, desde o início da campanha referendária e a que também não serão alheios alguns dos debates sobre os grandes portugueses. E essa questão é tão só esta: o que assisto é a um (vários) diálogo(s) de surdos. E isso entristece-me.

Seria de esperar que num debate caracterizado pela defesa de valores, de um lado o da vida do outro o da liberdade de escolha, seria possível assistir a conversas ricas, apoiadas em argumentos razoáveis, ou até mesmo emocionais, mas em que algum dos diversos níveis possíveis de acordo fosse alcançável. Pelo menos o primeiro, que é o do acordo em estar em desacordo. A partir desse primeiro nível de acordo, é possível construir diferentes conversas de diversas profundidades sobre o que nos leva ao dito desacordo.

Mas não. O que assisto é a uma total incapacidade para atingir sequer esse nível básico de acordo. Repetem-se argumentos, mudando virgulas mas mantendo o discurso, declara-se respeitar o adversário para imediatamente a seguir se insultar a inteligência do argumento por ele apresentado como se isso fosse definitivo, eleva-se o tom dos argumentos anteriores como se daí viesse alguma razão e termina-se o debate como se começou, ou seja como quem sai de um jogo de futebol em que as duas equipas empataram. Os apoiantes de uma acham que essa ganhou e os da outra consideram que foi o inverso. Quem foi para assistir a um desafio de futebol, sem preferência por nenhuma das duas equipas, sai consciente do empate a que assistiu e na dúvida se terá sido um bom jogo de futebol.

O que a mim isso me diz é que o nível da nossa consciência democrática é ainda muito incipiente. Quem pensa como nós tem razão, quem não pensa não, ainda que declaremos que os respeitamos sem verdadeiramente ter de o fazer. A democracia é grande precisamente porque resolve este conflito pacificamente. Vota-se, para um lado ou para o outro, e o assunto fica resolvido.

A consciência democrática, porém, exigiria que não fosse necessário declarar tantas e tão repetidas vezes que se respeita o adversário, mas que pelo contrário se praticasse esse respeito. Isto é, aceitando que quem não concorda connosco tem as suas razões para discordar e que nós temos as nossas para assim pensar. E que o objectivo de um debate, nomeadamente numa campanha referendária, não é convencer o adversário, mas expor a riqueza dos nossos argumentos para permitir que quem tem dúvidas possa formar a sua própria opinião. Quer porque concordou com as nossas razões, quer porque discordou das dos nossos adversários, quer porque o debate o levou a descobrir quaisquer outras razões.

Para terminar numa nota mais leve, exemplificaria o meu argumento com um assunto dos grandes portugueses. Para uns Salazar terá sido um grande político, para outros não. De qualquer dos modos, não deixa de ser um dos protagonistas do séc. XX português. Para o bem e para o mal. Portanto, deixá-lo finalmente morrer não é evitar discuti-lo. É aceitar discuti-lo sem dramatismo, quer seja para argumentar que é o principal culpado do actual estádio do País quer seja para defender que também fez algumas coisas bem feitas, mesmo que não se concorde com o balanço final da sua obra, quer seja para defender que só fez coisas mal feitas, quer ainda para debater a obra e o homem e as suas condições históricas, sem necessariamente ter que apoiar uma ou outro, nem igualmente condenar o último ou a primeira. Quarenta anos depois da sua morte, deveria ser possível falar disso, para um lado e para o outro, sem ser necessário declarar impotência para perceber o motivo da discussão, nem muito menos daí tirar conclusões definitivas sobre o País.

Do mesmo modo, quem vier a votar não não está obviamente a condenar ninguém a nada, assim como quem votar pelo sim não estará a obrigar ninguém a nada, muito menos a agir contra a sua consciência. O que não pode ser negado, é que em democracia é legitímo apresentar os argumentos de cada um. E a decisão é uma competência da maioria. Felizmente.

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