Eu sei que se trata apenas de um programa televisivo e que o facto de abrirmos democraticamente a eleição abre portas a resultados pouco racionais. Mas, como bem se tem esforçado por demonstrar o nosso António Damásio, aliás também nomeado entre os 100 maiores, as razões que "o coração tem e a razão desconhece" também são relevantes. E porventura até muito significativas quando se pretende conhecer a alma de um povo. Sem emoções não há vida que valha a pena viver.
No entanto, não pode deixar de ser surpreendente que uma votação "aberta" como a que está em causa produza estes resultados extraordinários, pelo menos do meu ponto de vista:
- entre os dez mais votados encontram-se só homens - talvez pouco significativo atendendo à nossa história;
- dois poetas, Camões e Pessoa - o que diz muito sobre a nossa alma fadista;
- um diplomata humanista, Aristides Sousa Mendes - o que é sempre reconfortante, mas difícil de entender (talvez se tenha ficado a dever a algum natural empenho da comunidade judaica lusitana ?!?);
- dois reis, Afonso Henriques e D. João II - o que se compreende facilmente no primeiro caso e surpreende posititivamente no segundo;
- um navegador, Vasco da Gama - o que parece natural, tendo em vista a nossa memória colectiva sobre a "grandeza" da epopeia dos descobrimentos;
- um estadista de visão, D. Henrique o Infante Navegador - que, creio, se deverá a razões semelhantes às do anterior;
- o Marquês de Pombal - o que se poderá aceitar atendendo à visibilidade da obra que deixou;
- Cunhal - o que não pode ter qualquer explicação possível, visto que o País apenas lhe deve a coerência de ter acreditado contra o sistema e a casmurrice de continuar a acreditar para lá de toda a evidência; enfim, um homem de fé (ainda que na esperança errada);
- Salazar - o que não se pode aceitar, por muito que se lhe reconheça a dimensão de estadista e a capacidade reformadora dos primeiros anos. Ainda que se possa defender que Salazar ficará para a História como um dos portugueses que mais influência teve no País, não é compreensível que um País que vota à esquerda sistematicamente, que se queixa dos anos da ditadura como responsáveis ainda hoje pelo atraso em que se encontra, que abandonou todas as bandeiras porque Salazar se bateu, depois lhe reconheça a grandeza de ser um dos 10 maiores portugueses. A não ser que isso seja um voto de desepero.
O mais espantoso, creio, é não haver nenhum político da democracia - em qualquer dos seus tempos históricos. Ou melhor, o verdadeiramente espantoso é o País ter escolhido apenas políticos que governaram - ou quiseram governar - com pulso de ferro. E não são poucos, visto que também os dois reis nomeados podem caber nessa perspectiva. Mais do que tudo o resto, parece-me que resulta daqui uma grande lição: os portugueses não confiam na sua classe política, não acreditam nela, nem reconhecem mérito particular às suas realizações. Mas aceitam a autoridade natural de quem "sabe o que quer e para onde vai". Nem que seja contra tudo e contra todos...
Se isto não é um alerta, não sei bem o que será.
A mim, leva-me a mudar de preferência. Não votei, mas se o tivesse feito teria sido em D. João II. Quase pelas mesmas razões e porque acredito que Portugal pode ser um País onde os portugueses se sintam bem, mudo agora para o Infante D. Henrique. O Navegador, foi acima de tudo um homem de ciência - o que é hoje um sinal de futuro e de cultura; foi um homem perseverante, que trabalhou para construir um futuro que fosse maior do que a sua própria vida, que perdurasse para além da sua própria obra. Criou, liderou e apoiou instituições que eram maiores do que ele próprio. E conseguiu. D. João II não teria sido o rei que foi se o Infante não tivesse vindo antes dele. Além disso, e este é o argumento definitivo, não representa uma preferência para que "nos governem". Sempre me deixa sonhar que, um dia, também os portugueses de hoje se hão-de querer "governar a si próprios". Disse.
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