terça-feira, janeiro 23, 2007

Aquilo que o País precisa

Quando, há uns meses atrás e na minha última mudança de casa, estava a carregar um caixote espetou-se uma farpa de madeira no indicador da minha mão direita. Essa lasca não saiu nem com recurso ao tradicional método do alfinete esterilizado. Assim andei durante uns tempos, até que a dita farpa acabou por sair por si, num fenómeno natural no corpo humano de rejeição de corpos estranhos.

É este o sentido da afirmação do João Luís Mota Campos, a propósito da hesitação do Nuno Melo em sair da direcção do grupo parlamentar: ou sai por si, ou a direcção do partido tem de o forçar a sair.

Tudo o resto pode ter muito ou pouco efeito mediático, mas não tem significado político. O que aqui tem significado político é saber se o Nuno Melo tinha ou não de se demitir (ou até se deveria ter aceite o cargo...), para depois saber se politicamente JL Mota Campos tinha ou não razão.

O comportamento (e até toda a atitude) do Nuno Melo tem de ser avaliada à luz de um padrão de comportamento que é - acima de tudo - um padrão ético. Nessa análise é fundamental ver qual ou quais os valores que se devem hierarquizar. Esta é quanto a mim a questão essencial.

Recordo-me, a este propósito, de ter ouvido em tempos a seguinte síntese:

Eu sou um instrumento do partido e o partido, por sua vez, é um instrumento do País

E eu confesso que esta formulação, como um vício, não me sai da cabeça. E acho que ainda bem, porque ou vivemos como pensamos, ou acabamos por pensar como vivemos.

Ora, o Nuno Melo - isto parece-me óbvio e indesmentível - não exerceu o cargo com espírito de serviço ao partido. Exerceu o cargo com permanente espírito de afronta e despique com a direcção do partido e com o Dr. Ribeiro e Castro. Usou o cargo, portanto, para prosseguir um interesse pessoal, seu, de desafio ao líder.

O ponto alto desta atitude foi quando numa cerimónia do partido, e usando da palavra por ser líder do grupo parlamentar, fez um anúncio - não desmentido - de que iria procurar derrubar o presidente do partido. Ora, a partir deste momento aquilo que muitos achavam implícito na actuação de Nuno Melo, passou a ser explicito nas suas palavras: Nuno Melo não aceitava ser um instrumento da política do partido.

Daí que - e isto já lho disse a ele - eu ache que Nuno Melo se deveria ter demitido. Em bom rigor, deveria ter-se demitido antes de dizer o que disse. E para ser realmente eticamente irrepreensível não deveria sequer ter aceite o cargo. É que um cargo aceita-se para exercer a função. Se se sabe de antemão que não se vai exercer a função, não se aceita o cargo.

Por tudo isto, acho que o Nuno Melo tinha de se demitir, e se não saísse pelo seu pé, teria de ser forçado a sair. É neste contexto que eu acho que JL Mota Campos tem razão política.

No momento presente, e quanto a esta questão toda, há ainda que referir o seguinte:

- As afirmações do João Luís Mota Campos têm já mais de 2 semanas. Estão agora a ser usadas cinicamente por aqueles que na altura estiveram calados. E estão a ser invocadas exclusivamente para que a pressão mediática saia de cima do Nuno Melo, e que o vilão afinal seja Ribeiro e Castro. Esta é uma questão que não tem qualquer significado político e, com toda a franqueza, acho mal o Dr. Pires de Lima aceitar fazer este frete.

- O Nuno Melo não viu a sua actuação censurada por ter usado do seu constitucional direito à opinião. A questão não é a do direito à opinião, que esse é sagrado. O problema do Nuno Melo é que aceitou permanecer num cargo quando a sua opinião não lho permitia. É um problema que deveria ter sido resolvido pela sua própria consciência...

- A legitimidade directa dos deputados não pode ser contraposta à legitimidade do presidente do partido, que resulta “apenas” do congresso. O problema não é de grau de legitimidades. O problema, uma vez mais, é ético e de consciência: “eu sou um instrumento do partido”...

- A função do grupo parlamentar não é a de fazer oposição ao Eng. José Sócrates. Pode ser que na maioria das questões isso aconteça. Mas a função do grupo parlamentar é prosseguir a estratégia política do partido, que a direcção determina. Nuns casos a favor do Governo, noutros (a maior parte das vezes) contra. Mas isso é analisado caso a caso.

Tenho esperança que quem agora assumiu as funções de liderança do grupo parlamentar perceba bem quais as suas funções, e que aceite exercê-las. É disso que o País precisa. E o País ainda precisa do partido!

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