quarta-feira, novembro 22, 2006

A Ideia de Europa


A gravura que ilustra este texto tem o título "Regina Europa" e foi publicada entre 1550 e 1554 por Sebastien Müntzer na sua Cosmographia Universalis. Nesta época, apesar de os países Ibéricos estarem à cabeça da Europa, já o seu tronco era constituído pela Germânia e pela Gália, aparecendo a Itália, sede do poder Papal, como o seu braço direito. Nas franjas do vestido, Constantinopla, a Grande, desde 1453 na posse dos Turcos, representa o fim do Império Romano do Oriente, ainda cristão mas já cismático. Do outro lado, a Ásia.
Se esta gravura representa uma certa ideia de Europa, essa ideia, que imperou até ao iluminismo, era a de uma Europa cristã.
A ideia de Cristandade atravessou os tempos. Se a Europa nasceu no Mediterrâneo, foi a conquista romana que a levou até ao Atlântico Norte, à Britânia.
Com o afundamento do Império Romano, a primeira grande entidade política que se desenha na Europa, mas de cunho marcadamente mediterrânico, evolui-se para um mosaico de reinos bárbaros, onde o Império de Carlos Magno, nos inícios do século IX, embora vincadamente continental, representa uma tentativa de unidade à volta do primeiro conceito verdadeiramente europeu: a Cristandade.
Este conceito, sob o qual se fundem a germanidade e a romanidade europeias, adquire um âmbito supra-nacional sob a égide do Bispo de Roma, medianeiro entre a Terra e o Céu, de onde emana o poder dos Reis. Além disso, a Cristandade forja a primeira identidade verdadeiramente europeia, ao vincar a sua alteridade frente a um Islão asiático e norte-africano de cariz expansionista.
Mas essa identidade começa a diluir-se num processo intelectual complexo, entre os séculos XVI e XVIII, devido aos conflitos religiosos e políticos, e que, no Tratado de Utrecht de 1713, com que termina a guerra de sucessão espanhola, pela última vez é referida como a "Respublica Chistiana".
Já em 1751, Voltaire descrevia a Europa como "uma espécie de grande república dividida em vários estados, alguns monárquicos, outros confusos....mas todos relacionando-se entre si. Todos têem a mesma origem religiosa, apesar de divididos em várias confissões.Todos têem os mesmos princípios políticos e de direito público, desconhecidos noutras partes do mundo".
Apenas 20 anos mais tarde, Rousseau proclamava:" Não virá muito longe o tempo em que deixarão de existir Franceses, Alemães, Espanhóis ou mesmo Ingleses, haverá somente Europeus".
Essa construção intelectual que se começou a forjar no Iluminismo transforma-se numa vontade política depois da 2ª Guerra Mundial, quando a ideia de uma Europa "do Atlântico aos Urais" se torna na única arma que os países do ocidente europeu podem brandir contra a U.R.S.S e a sua "cortina de ferro ".
Acabada a Guerra Fria, a construção de uma comunidade económica evolui para a comunidade política e a tentação federalista, para já congelada, não está adormecida. O problema das fronteiras da Europa, que ontem Josckla Fischer colocou a convite do Público, convida a uma reflexão profunda. Para onde vamos, enquanto Europeus?
Se no espaço europeu que hoje partilhamos as fronteiras políticas estão cada vez mais diluídas, praticamente não existindo as económicas - fruto da adopção de uma moeda única, a exemplo do que já acontecera durante todo o Império Romano.... - a questão a colocar é: onde termina a Europa? E ao mesmo tempo, surge uma outra série de questões : porque somos Europeus? Que temos em comum? O que nos distingue do Outro? Quem é o Outro?
Infelizmente, fruto de algumas respostas que adivinhamos, parece caminharmos novamente para uma alteridade religiosa que, no fundo, mais não é do que um profundo choque de culturas.
Daí a pergunta que está em cima da mesa e que nos faz a todos reflectir: será a Turquia um país Europeu? Será a sua cultura europeia?
Voltarei a este assunto, que o texto já vai longo.

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