Sob o mote das “Fronteiras da Europa”, Joschka Fisher, ultrapassando a proposta “border line” do tema, ofereceu - no jantar debate promovido pelo Público - uma perspectiva, um desígnio, não somente para essa realidade estruturante e contingente mas sobre o próprio projecto Europeu.
Com uma toada muito positiva, para um Grünen, identificou três grandes desafios que a União Europeia tem de enfrentar, a saber: União Europeia e Globalização; a Europa e as suas fronteiras; como construir uma Europa mais forte?
Partindo do princípio, seguro, de que a Globalização é a grande força modeladora e conformadora do séc. XXI, terá que ser essa seiva a infundir todo o conceito de organização política e institucional. E a determinar a perspectiva geo-estratégica.
Por outro lado, a pressão demográfica fora de muros, os anseios legítimos das populações vizinhas da União, enlevadas pelo sonho do bem-estar social europeu, não poderão ser escamoteadas. Sem uma barreira geográfica natural a Este, a Europa encontra aí o seu verdadeiro grande desafio. Aliás, que não se confina no limite estrito do continente mas deverá ser visto mais além, até ao próximo Oriente – do Mediterrâneo ao Vale do Indo. O que leva a que seja de interesse crucial e angular o dossier Turquia.
É, de resto, esta a grande mensagem deixada por Fisher: a integração da Turquia e dos estados de Leste, o Alargamento. Aí reside toda a sua visão estratégica, não só em termos de ganho de dimensão, enquanto mercado num Mundo Global, mas também como uma oportunidade para a Paz. A velha Europa dos nacionalismos deverá dar lugar à Europa da Integração e, porque não, digo eu, da Inclusão. A busca da Paz social como pólo dinamizador e catalizador de desenvolvimento. Por isso, a Turquia enquanto nação islâmica deverá cumprir um papel, paradigmático, como prova da possibilidade de coexistência e por isso sinónimo de estado de direito, democracia e economia de mercado - “we should help to prove this formula is not a lie”. Nesse sentido, e por exemplo, também o Iraque não é um problema Americano mas, eminentemente, Europeu. A possibilidade de uma escalada nuclear na região é algo muito próximo que não pode ser abandonado ao vazio de um possível abandono militar norte-americano.
Daí que as sinergias que advenham com o Alargamento, poderão ultrapassar, em muito, as fronteiras físicas do continente e estimular francas potencialidades de desenvolvimento nas regiões periféricas. Bem como estimular novas oportunidades para a Paz.
Se com o Tratado de Westefália cessaram as guerras religiosas e emerge o estado soberano, com a ideia de Europa - Jean Monet - aplacam-se os nacionalismos geradores das forças autofágicas dos inícios do séc. XX.. Reconstrução, defesa comum e partilha de recursos, são, pois, os interesses que presidiram à construção Europeia, então espartilhada pelo Bloco Soviético. E tais princípios, ainda hoje, com outros cenários, se mantêm válidos. O processo de integração é pois, crucial e ostracizá -lo seria declinar o “strategic interest of Peace”.
Mas como será tudo isto possível? Pelo reforço das instituições Europeias. O que depende, directamente, de uma liderança forte e pró-activa. E, desde logo, o primeiro passo, a cumprir pelo menos até 2012, será a criação de uma Política externa e de segurança comum, corporizada na criação do Sr. PESC. Nas palavras de Fisher “the rest, will follow”. A acrescer deveriam os poderes do Parlamento Europeu ser alargados, enquanto forma de permitir uma ligação mais estreita dos europeus ao processo de decisão da instituições comunitárias. Isto sem nunca esquecer o Princípio da Subsidiariedade, ou seja, chamar ao processo legislativo da União os próprios Parlamentos nacionais.
O que falta, então, às lideranças europeias para que o arrojo de hoje seja a certeza de amanhã: “commitment, emotion, vision”.
Na verdade, o desassombro da “eurovidência” de Fisher, se por um lado, como ele próprio afirma, poderá ser idílica, por outro demonstra uma saída possível para o impasse Europeu. A falta de interesses estratégicos suficientemente aglutinadores só poderá ser preenchida com um novo passo, que mesmo sendo temerário seria suficientemente mobilizador. Ainda por cima quando, num Mundo globalizado, os actores internacionais se multiplicam e emergem cenários em que a dimensão será um factor determinante: a China é um dragão ainda ensonado e a Índia não se levantou.
Por outro lado, o limbo europeu, também não tem retorno, pois se a solução não for aprofundar as instituições e alargar os membros, qual poderá ser a outra saída? Micro-nações num mundo de giga-estados?
E, além de tudo o mais, embora Fisher não tenha referido directamente (talvez por o tomarem por devaneio lírico) resta-nos a peleja sadia por uma ideia de um continente cuja diversidade é o alfobre de um padrão Cultural comum. Somos todos filhos de Atenas, Roma e Jerusalém. Na base de todo o resto há este mínimo denominador comum que é a matriz clássica e judaico-cristã. Essa essência fátua mas decisiva que anima os povos europeus e que lhes cria a sua vocação universal.
“(...)Tudo isto serão sonhos, talvez imperdoavelmente ingénuos. Mas trata-se de fins práticos a que vale a pena almejar. (...)Com a queda do marxismo na tirania bárbara e na nulidade económica, perdeu-se um grande sonho de- como Trotsky proclamou – o homem comum seguir as pisadas de Aristóteles a Goethe. Liberto de uma ideologia falida, o sonho, pode e deve ser sonhado novamente. É porventura apenas na Europa que as fundações necessárias de literacia e o sentido de vulnerabilidade trágica da condition humaine poderiam constituir-se como base(...).” George Steiner in A Ideia de Europa
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