Um dos erros mais recorrentes dos últimos tempos quando se aborda esta questão da ideia de Europa, ou melhor, da essência do que será uma Europa consubstanciada na União Europeia, é tomar a questão da eventual adesão da Turquia como um elementor definidor, ou questionante, dessa ideia. Vamos por partes.
Que a Europa devia ser uma ideia, é uma noção que não deveria ser estranha a qualquer pessoa que se tenha informado minimamente sobre a génese do processo de integração europeia: no início, a Europa foi uma ideia de Paz, no que respeita às lições que retirava do passado, e uma ideia de progresso, no que respeita ao desejo de encontrar instrumentos que tornassem essa Paz uma realidade efectiva ao nível continental. Como sempre, a Paz é um dos principais requisitos do progresso. Nessa medida, a ideia original da Europa foi a de atribuir a instâncias comuns a competência para organizar colectivamente sectores da vida social, de forma supranacional, isto é, de forma superior às noções e visões nacionais, tendo por objectivo garantir uma integração tal que a guerra se tornasse um conceito obsoleto, através do maior progresso possível.
Porém, a realidade foi-nos demonstrando duas verdades simultâneas. Por um lado, o sucesso político dessa ideia de Europa saíu claramente vencedor da batalha pelas ideias da segunda metade do século XX. Por outro lado, a integração económica, que deveria e se pretendeu fosse o verdadeiro motor do progresso e da integração, foi deparando com obstáculos significativos que as vontades nacionais sempre foram colocando, justificando-os com outras tantas boas razões internas, ao sabor dos acontecimentos. Num certo sentido, precursora da ideia de globalização, a ideia de Europa viu-se refém da rápida concretização da ideia de globalização, sobretudo a partir da abertura da China aos mercados mundiais, não se mostrando capaz de manter coerência na concretização da sua própria ideia original.
Seja como for, a verdade é que a ideia de Europa se foi afirmando, e continua, cada vez mais como um projecto político. Por um lado, nada mais natural. Por outro lado, nada mais difícil. Sobretudo porque a conciliação do instrumento original da supranacionalidade se depara sistematicamente com o obstáculo da realidade nacional em que assenta. Os países e os Povos não estão, pelo menos ainda, preparados para assumirem a supranacionalidade plenamente. Isso manifesta-se com particular acuidade quando as instituições da supranacionalidade não são fáceis de apreender e de compreender. Este é, quanto a mim, o maior e principal problema da Europa. Do que não restam dúvidas, mesmo se muitas vezes nos mantemos no plano meramente intuitivo, é que cada vez mais precisamos de Europa.
Essa intuição assenta essencialmente na noção intuitiva ou informada, que a defesa das nossas concepções de Pessoa, de Vida e de Democracia, e dos valores que representam, já não se esgota ou cada vez menos se esgotará na dimensão nacional da nossa organização social.
Tudo isto serve apenas para concluir que as actuais "dores de parto" que a Europa vive, por ter querido alargar-se demasiado depressa, não são boas conselheiras quando se pretende reflectir sobre a Europa do amanhã. Pelo menos não à luz da ideia de Europa.
A essa luz, a Europa é um conceito com vocação universal. Parece-me evidente. Também me parece igualmente evidente que a concretização dessa vocação universal em realidade política não pode nem deve processar-se a ritmos demasiado rápidos, sob pena de se alienar a sua ideia original. De qualquer modo, convém esclarecer que o debate sobre as fronteiras da Europa se prende exclusivamente com esta segunda vertente da concretização em realidade política. É nesse plano, exclusivamente, que a questão da adesão da Turquia deve ser equacionada.
Na verdade, a vocação universal da ideia de Europa - numa perspectiva civilizacional - só pode defender a adesão de qualquer Turquia, desde que garantido que essas Turquias aderem aos nossos conceitos fundacionais essenciais, plenamente. Nesse mesmo sentido é plenamente pertinente a questão de saber se outros países que não são rigorosamente parte do continente europeu não poderiam ou mesmo deveriam ser aceites como membros.
Por outro lado, a concretização política dessa ideia pode impor outro tipo de considerações. Por exemplo, a mim preocupa-me essencialmente esta: a Europa necessita de ser uma potência para defender a sua ideia? Se sim, a Turquia é um elemento essencial. Se não, a Turquia passa a ser um problema essencial. Voltarei ao assunto.
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