quinta-feira, outubro 05, 2006

Precariedades da opção Liberal

As crises existenciais não assolam, somente, as pessoas. Elas criam perplexidade em muitas áreas, as mais diversas. E, se no campo filosófico tais inquietações são a expressão viva da natureza humana, no campo político atraem todo o tipo de especulações.
Têm-se vindo a enraizar os debates de cariz, pretensamente, mais ideológico. E já muito se tem discorrido sobre o que é ser de Direita e de Esquerda.
Como todas as simplificações, esta leitura biunívoca da realidade política, é redutora, mas poderosamente sugestiva, como o comprovam mais de dois séculos de manutenção na gíria.
Porém, com a queda do Muro de Berlim e no pós 11 de Setembro, a terminologia política clássica já não reflecte a realidade e, por isso, necessita de um aggiornamento. Não só por necessidades alheias, mas sobretudo por motivos endógenos de auto justificação.
Se na Esquerda a Terceira Via foi um primeiro relance de uma fuga para a frente, já na Direita vem-se a adensar o ressurgimento do Liberlismo Clássico, travestido de Neo-Liberalismo. Ser Liberal está na moda. E, curiosamente, a blogosfera tem-se tornado um palco, eminente, para a difusão prosélita do ideal Neo-Liberal. Pode-se mesmo dizer que a lusa blogosfera encerra em si própria o gérmen de um informal think tank, tais são as reflexões que emanam da virtualidade do seu universo.
Ainda para mais, de vez em quando, a sociedade, brinda-o e enleva-o, elevando-o a alturas de incenso. Foi o caso do Compromisso Portugal.
É evidente que o Liberalismo, uma ideia com a qual simpatizo, é muito mais do que aquilo que vou dizer (como já bem referiu o Ventanias) mas a verdade é que as abordagens que dele fazem, limitam-se a integrá-lo e afirmá-lo como um excelente programa de Governo. Os seus mais fervorosos cruzados, sublinham as virtualidades do voluntarismo, da auto responsabilidade, da auto determinação, da assumpção do risco… mas tudo, repita-se, numa perspectiva muito arreigada e a pressupor a dimensão do sucesso económico, seja a nível individual ou estadual.
Esquecendo todas as outras contingências. Excepção a comprovar a regra é a muito martelada tecla dos moral issues. Aí o pensamento Liberal, discorre com à vontade e pujança, defendendo um modelo muito permissivo ao nível dos costumes. Aliás, matérias, aparentemente, apolíticas, transformaram-se em dossiers decisivos e cruciais da agenda dos partidos.
Contudo, é uma verdade, que em tempos de globalização e desenfreada concorrência, os liberais, encontram terreno propício para espalharem o seu ideário. Que, assim, se cola à realidade, como o instrumento último de solucionar e desencriptar os novos desafios.
No cerne, ontem como hoje, de oitocentos para o séc. XXI, o argumentário mudou na forma mas não na substância. E, muito embora, contenha princípios basilares para uma organização saudável da sociedade, não contempla um sistema de correcção dos seus excessos. Thomas Hobbes, tido como um dos percursores do Liberalismo (tenho para mim que é precisamente o contrário…) encarava a sociedade no seu estado puro, como auto-fágica e anárquica. Ora, é aqui que reside o busílis. Num mundo pulverizado, onde a abunda a mobilidade social, a emigração, a emersão de novos protagonistas e novas potências, produz-se um planeta de olímpicas assimetrias.
Acresce que, não houve, até hoje, uma resposta filosófica, ao pós 11 de Setembro. Não me refiro ao fenómeno em si, ou ao Terrorismo strictu sensu, mas à assumpção da nova sociedade que está a dealbar com o séc. XXI. Caracterizada pelo risco, pela mediatização, pela eficiência, pela competência absoluta, pela concorrência, pela valorização sensorial da visão, pelo esquecimento da gregariedade e sociabilidade, tudo se reunindo, na perfeição, para agudizar a eternização do efémero, do momento. E a valorização da solidão enquanto silêncio do cidadão.
E, desta forma, fruto de múltiplas contingências, aprofundar o condicionamento do indivíduo, rodeado pelo universo de si próprio.
Sem dúvida, há, hoje, uma inegável e imediata pertinência do Neo-Liberalismo. Mas, tal facto, não será mais do que um epifenómeno. Porque, desde logo, o Liberalismo não poderá prover aos seus desafios. Será devorado na sua própria voragem. Como garantirá o Homem livre? Sim, porque, já hoje, não somos livres. E não falo invocando o conceptualismo de Sartre. É que, em ultima ratio, o postulado liberal parte de um pressuposto falso. Hoje, e muito mais amanhã, a Liberdade não é um facto garantido...!!! É preciso pensar para além da própria Liberdade. Sob pena da sua instrumentalização. Ela não é um princípio ou um meio em si mesma, mas um fim a garantir.

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