quinta-feira, outubro 19, 2006

Olhares diferentes sobre a Cultura

Não me queria voltar a okupar com a questão do Rivoli-Teatro Municipal. Muito menos neste momento, em que o direito à indignação extravasou os limites do razoável.
Como o Nortadas não é um espaço monolítico, antes um espaço de discussão de ideias, e nele cabe a diversidade de opiniões, não posso deixar de discordar da forma simplista como o Carlos Furtado coloca a questão e republica ingenuamente os números que a CMP forneceu de forma calculadamente distorcida. Tendo presidido à Culturporto durante três anos, ainda tenho os números bem presentes!....
Acontece que, além da distinção fundamental entre lazer e Cultura que me parece não estar suficientemente clara na mente dos nossos autarcas - e, também, infelizmente, em muitos dos nossos concidadãos - , uma outra questão de fundo vem ao de cima nestes momentos, e essa, sim, é uma questão eminentemente política: cabe ou não ao poder público, seja a nível autárquico, seja a nível do poder central, delinear uma política cultural? Cabe ou não aos poderes públicos deterem os instrumentos - e os equipamentos - necessários à execução das políticas culturais traçadas? Essas são ou não obrigações dos poderes públicos? A Cultura - e, logo, a Educação - devem ser prioridades do Estado ou este deve demitir-se nestas áreas e deixá-las à esfera privada e à sua lógica de mercado?
Estas são velhas questões que a mim sempre afastaram dos liberais, o que deve ser a esfera do poder público e o que pode entrar na esfera privada. Cabe aqui talvez chamar a atenção para o magistral artigo ontem publicado no Público por Vital Moreira, onde, da forma linear e clara que o caracteriza enquanto jurista e professor, explica as diferenças e as proximidades entre a Direita e a Esquerda, e as influências do liberalismo de um lado e do outro do espectro político.
Eu, por mim, continuo a pensar - se calhar até por deformação profissional - que há algumas áreas em que "a César o que é de César"!
Isto porque não me parece que, na generalidade, a esfera privada seja tão altruísta que abdique - em nome de quê? - do fim do que para ela constitui a razão da sua existência: o lucro.
Talvez esteja a ser demasiado severo e a esquecer algumas instituições privadas que constituem a excepção: as Fundações, com um papel fundamental e relevante nesta área que nos preocupa, a Cultura, e, dentro destas, especial relevância para a Gulbenkian que durante anos, inclusivamente, supriu o papel do Estado nestes domínios.
Tudo isto a propósito da decisão da Câmara Municipal do Porto de entregar a privados a gestão do seu Teatro Municipal.
Já esgrimi aqui alguns argumentos que me parecem decisivos na fundamentação de uma opinião contrária à decisão da CMP. Outros têm sido apresentados, nomeadamente o entendimento da necessidade de um serviço público neste domínio da divulgação das Artes do Palco, que constitui também um preenchimento de momentos de lazer de uma forma útil ao espírito. Há ainda quem entenda que o financiamento de um equipamento cultural como o Rivoli-Teatro Municipal por dinheiros públicos, obtidos através de candidaturas a Programas Comunitários que pressupõem contrapartidas nacionais, não deveria ser desvirtuado com a entrega desse mesmo equipamento a privados, e que esse facto pode mesmo configurar uma "burla", perdoem-me a expressão, a mim que não sou jurista, passível de sanções por parte de Bruxelas.
Falta talvez colocar outra questão, pouco abordada nas discussões que se têm travado: as verbas dispendidas pelos poderes públicos nos equipamentos culturais, na programação desses mesmos equipamentos, na divulgação da Cultura e das Artes do Palco, na formação de públicos, constituem subsídios a fundo perdido ou devem ser consideradas investimento?
A Câmara Municipal do Porto, ao dedicar parte do seu orçamento ao financiamento do Rivoli-Teatro Municipal está a pagar devaneios intelectuais ou está a investir na formação dos seus concidadãos e munícipes?
No momento em que se entregam os prémios Nobel, não posso deixar de recordar o nome de um economista galardoado em 1972, sir John Hicks, e o desenvolvimento que deu à nova "Economia do Bem-Estar", ou seja, o conjunto de regras de funcionamento de uma economia nacional onde a satisfação obtida pelo conjunto de indivíduos que a compõem seria máxima.
Para Hicks, o bem-estar total integra a formação cultural, o aumento dos tempos de lazer, a sua consagração às artes. Por isso, o investimento em Cultura não tem um retorno imediato. Os lucros são imateriais: a formação cultural faz parte do bem estar. O bem estar completo integra a formação total do indivíduo. Por isso, este é um tipo de investimento a prazo. Os lucros serão visíveis no futuro: cidadãos cultos, bem formados cívica e intelectualmente, amantes das Artes, cosmopolitas.
Tudo aquilo que o Rivoli, como Teatro Municipal, tinha por missão fazer.
H.S.E.
R.I.P.

Sem comentários:

Enviar um comentário